Com certeza em tempos de crise econômica tem-se que apertar o cinto e cortar gastos. Como nunca é possível cortar tudo, é fundamental priorizar os cortes tentando manter as atividades mais importantes pelo menos em um nível crítico de forma que tudo não pare e que possa ser mais fácil retomar adiante.
A tarefa de priorizar é sempre complexa e envolve um sentido de realidade e decisões que estruturam o que se convenciona chamar de políticas. Ou seja, os ‘’o ques’’. Na área de ciência e tecnologia, além da dificuldade no delineamento de políticas de desenvolvimento tecnológico, existem muitas lendas. Coisas como a ciência básica não tem utilidade prática, as pesquisas não devem ter financiamento público, as universidades públicas são atrasadas e não servem para desenvolver inovações, e por aí vai.
Os ataques recentes à universidade pública e aos gastos com P&D e com financiamento de bolsas de estudo tem que ser melhores entendidos e essa compreensão deve gerar um posicionamento firme da sociedade no sentido de preservar essa área que tem uma importância crítica para construção de um futuro melhor.
O jornal da USP (Universidade de São Paulo) em sua edição de 27 de maio, oferece um conjunto importante de dados para se ter uma compreensão de como essa área é financiada no mundo. E por que olhar outros países? Porque não existe uma receita do bolo, portanto, a ideia é olhar para os casos de sucesso e ver se consegue imitá-los.
Com certeza o caso de maior sucesso é o dos EUA. É considerado um dos motores do mundo quando se fala em desenvolver a ciência e produzir tecnologia e inovações. Os americanos investiram 2,7% do PIB (que é de cerca de 14 trilhões de dólares) em C&T em 2017. Desse total, 60% foram recursos públicos investidos pelo estado americano em universidades. A Europa gastou em torno de 2,5% do PIB, sendo 77% público. O gasto brasileiro foi de 1,3% do PIB e quase todo público. Mas a quantidade é muito menor que a aplicada pelos países desenvolvidos.
Existe outra lenda de que é possível financiar as universidades públicas com o pagamento de mensalidades e o que se observa é que a cobrança de mensalidades não conseguiria financiar nem 8% da USP. E o mesmo acontece com a imensa maioria das universidades americanas e europeias que dependem de financiamento público. Existem exceções, mas são universidades pequenas e muito elitizadas como Harvard que tem cerca de 6,5 mil alunos contra os 55 mil da USP.
A maioria das grandes universidades americanas dependem de pelo menos 60% de financiamento público. E na Europa, a situação é similar. Assim sendo, a realidade demonstra que o financiamento público da universidade e da área de P&D é o modelo dos países desenvolvidos. Não estou anexando dados dos exemplos asiáticos (Japão, Coreia e China) devido ao espaço, mas o artigo do jornal da USP detalha em particular o caso Chinês. Não existe espaço para dúvida: o investimento público é um fundamental indutor das universidades e da produção de P&D.
As universidades brasileiras de pesquisa são quase que exclusivamente públicas. As exceções no Brasil são algumas universidades ligadas à igreja católica (a rede das PUCs), mas são exceções que atuam em nichos, e o topo é sempre das universidades públicas lideradas pela USP.
Mas e o setor privado? Onde entra? No mundo desenvolvido, o setor privado entra na produção de inovação. Esse é o espaço do investimento privado que pode também receber aportes públicos gerados a partir de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de aplicações estratégicas para o País. São exemplos disso os investimentos públicos na área da Embrapa para desenvolver a agricultura, ou da Petrobras para retirar petróleo de águas profundas, ou ainda da Embraer, no desenvolvimento de uma indústria aeronáutica no País.
O Brasil desenvolveu conhecimentos básicos na universidade com recursos públicos e investiu mais dinheiro público complementado com recursos de empresas para desenvolver inovações que geraram renda e empregos no Brasil. Ou seja, a inovação saiu de um aporte do governo como indutor da atividade e a indústria e a universidade fizeram o resto.
Essa articulação é bastante conhecida e tem inclusive um nome – a hélice tripla. Ela é o motor do aparecimento das inovações que são o resultado final do desenvolvimento do conhecimento que vai gerar melhores condições para se viver.
Resumindo – o Brasil tem que aprender como investir em futuro, o que significa investir em P&D&I. E parte substantiva desse investimento é publico e destinado a suportar a universidade. E esta não é mais uma jabuticaba – o mundo moderno e desenvolvido faz assim!