Quando o assunto é inovação é comum achar que a inovação disruptiva, aquela que é fora da caixa, tenha a ver, de alguma forma, com a confrontação do senso comum. Mas na verdade tem a ver com a confrontação de verdades que foram resignificadas e encontraram uma nova forma de se apresentar. No dia a dia das organizações existem mitos que vivem confortavelmente sem serem enfrentados e se tornam verdades. Parte do que é a inovação envolve enfrentar alguns desses mitos.
E neste post, eu quero hoje escrever na primeira pessoa para falar um pouco de um mito que deve ser enfrentado para se conseguir propor novas respostas para uma alternativa importante à prestação de serviços de saúde e que eu encontrei em minhas experiências profissionais como professor.
O mito a que me refiro é o de que os hospitais pequenos – ou seja, hospitais de pequeno porte, com menos de 50 leitos – são inviáveis pois não têm escala para absorver tecnologia e oferecer alternativas adequadas de atenção. Um hospital hoje deve ser cirúrgico e vai atender pacientes complexos e de idade avançada e, portanto, deve ter uma UTI e no mínimo uma área de apoio diagnóstico e terapêutico com capacidade de absorver uma tomografia computadorizada e até uma ressonância magnética.
Bem, um hospital de 50 leitos para ter uma UTI teria que ter, para alcançar uma boa relação custo-benefício, pelo menos 10 leitos e este tamanho talvez seja demasiado para esse porte de hospital.
A literatura oferece farta referência sobre a inviabilidade dos pequenos hospitais e esta é uma solução que seria muito interessante para as Unimeds de municípios de menor porte. A questão é, portanto, – mito ou realidade?
Minha resposta é: sim, pequenos hospitais são inviáveis, porém, dependendo do arranjo organizacional, eles podem ser uma solução muito interessante.
Eu conheço pelo menos uma organização que criou uma nova alternativa para oferecer atenção hospitalar a sua clientela a partir de organizar sua atenção hospitalar como uma rede. Um número de pequenos hospitais (de 20, 40, 50 leitos), com concentração de tecnologia, mas com especialização e em um espaço geográfico não muito ampliado (não mais de 50 km de raio – cerca de uma hora de deslocamento).
O back office deve ser único, as especialidades se complementam, o processo de atenção é dirigido por protocolos rígidos para acessar, para receber tratamento e para a alta, e necessariamente a REDE deve operar com capacidade operacional alta (taxas de ocupação entre 85 e 90%).
Notem que usei a palavra REDE em maiúscula, pois aí está o ponto de viragem à criação de redes de hospitais articulados com a atenção básica e ambulatorial e com a rede de atenção pós-alta, em particular com a atenção domiciliar. Manter pacientes no hospital desnecessariamente é desperdiçar recursos. No entanto, o paciente tem que ter confiança no sistema para que aceite suas orientações e sinta que o cuidado não está sendo postergado ou que não está tendo acesso ao tratamento que crê ser o mais adequado (e vivemos em um tempo em que todos têm uma boa opinião sobre o que é adequado).
Criar uma rede de pequenos hospitais entre um conjunto de cooperativas de mais de um município e que tenham articulação suficiente para obter escalas adequadas para atender cirurgia cardíaca, câncer (cirurgias de grande porte no território gastrointestinal, quimioterapia, radioterapia), casos neurológicos, medicina paliativa, gera uma solução dependente de um desenho adequado de processos, protocolos e de arranjos para alocação de tecnologia e pessoas.
Certamente será muito crítico o arranjo das pessoas e particularmente dos médicos que conduzirão o cuidado que terão que responder a uma nova forma de organização. Nesse particular reside um dos problemas mais difíceis de serem ultrapassados – como médicos cooperados vão conseguir dar uma resposta organizacional que contemple a proposta de trabalhar em rede?
Eu não tenho todas as respostas, mas acredito que aqui existe uma alternativa que deve ser avaliada para criar uma nova alternativa e acho que em muitos locais já existem arranjos muito próximos deste proposto –falta serem enxergados e viabilizados!