Eu não sabia que existia essa sigla e fui pego de surpresa pela discussão que ela causou. Afinal de que se trata essa ESPIN? O que é a emergência sanitária?
Logo que a pandemia foi decretada, no início de 2020, uma série de medidas legais foram acionadas para permitir a melhor gestão do que se avizinhava e que naquele momento era ainda incompreensível. Eu me lembro muito bem dos assombros pelos quais passei. Logo em fevereiro foi aprovada a lei da emergência sanitária de número 13.979, de 06/02/2020. Ela dispunha de arranjos para enfrentar o que se esperava vir à frente. Foi uma lei importante para o enfrentamento da pandemia. Junto a ela, outras medidas foram tomadas para permitir melhor capacidade de enfrentamento da crise sanitária.
Nesse escopo, entra a decretação da ESPIN. Ela criou um espaço legal para que atos das instituições públicas pudessem ser adotados de forma a enfrentar a crise com menos burocracia nas três esferas de governo. Somente no Ministério da Saúde, são cerca de 170 atos legais permitindo a dispensa de licitação para compras de insumos como medicamentos e EPIs, ou a dispensa de concurso para contratar pessoal para trabalhar nas UPAs e no atendimento da emergência, ou a dispensa de cumprir com toda a burocracia exigida para conferir um registro a medicamentos, vacinas, testes de identificação viral, criando o registro emergencial. Atua ainda na esfera trabalhista, dispondo sobre trabalho remoto, trabalho de grávidas, além da área assistencial ao criar autorizações para o exercício da telemedicina, até então duramente regulamentada pelo CFM.
Neste momento, o Ministério da Saúde, que não pode decretar o fim da pandemia, que é prerrogativa da OMS, pode decretar o fim da ESPIN a nível nacional. E quais serão as consequências?
Primeiro, do ponto de vista do funcionamento da administração pública, existem muitas situações que devem ser analisadas e não podem ser validadas de imediato. O ministro deveria ter consultado onde a operação ocorria. É bom lembrar que, praticamente, o ministério não opera mais serviços de saúde: essa atividade é feita pelos municípios e estados. Não houve essa comunicação e os secretários estaduais e municipais já se manifestaram publicamente pedindo um prazo de pelo menos 90 dias para poder sair do estado de emergência de uso desses instrumentos e voltar a operar com a burocracia normal da administração pública. Provavelmente, algumas situações exijam um tempo ainda maior.
Também em relação à Anvisa, existe a vacina Coronavac, com registro emergencial e muitos medicamentos na mesma situação: paxlovid, sotrovimabe, baricitinibe (alteração de bula), evusheld, que terão que ter seus status alterados de Registro Emergencial para Definitivo. Para tanto, os fabricantes deverão fazer a solicitação, apresentar a documentação suplementar e aguardar a análise da Anvisa. Semelhante ação deverá ocorrer com os testes utilizados em farmácia e os autotestes que estejam na mesma situação.
Em resumo, há muita confusão burocrática e o ministro não combinou com ninguém e está dando uma enorme confusão. Além disso, também não houve comunicação à instância máxima de gestão do SUS que, de acordo com a lei 8.142/1990, é o Conselho Nacional de Saúde. Todos esses órgãos estão se posicionando contra a medida – CNS, CONASS, CONASEMS. Pedem, na melhor das hipóteses, tempo de transição.
Mas a pergunta que não quer calar é: Está na hora de dizer que a emergência acabou?
Depende de quem responde e baseado no que para responder. Se olharmos para a situação internacional, com a pandemia grassando no sudeste asiático (muitos casos na Coreia do Sul e na China), baixas coberturas vacinais em muitos países pobres, novas variantes surgindo na África do Sul (B.A4 e B.A5), aparentemente mais infectivas que a Ômicron original e ainda sem saber direito sobre sua letalidade. Enfim, no mundo, com a doença ativa e aparecendo novas variantes ainda que dentro do espectro da Ômicron, não é um bom momento para dizer que está próximo do fim.
Mas no Brasil, o número de casos (apesar de testarmos pouco) está em queda e o que conseguimos enxergar realmente, que são as mortes e hospitalizações, está em queda. Chegamos em pouco menos de 100 mortes como média móvel diária e é muito ainda, mas é positivo para quem já teve 4.000 mortes diárias. Qual é o número aceitável? O que caracterizaria um estado endêmico? Um número que algum dia teremos de casos devido ao fato do vírus estar em nosso meio, mas com a população protegida, que número fixará o nível endêmico? Ninguém, até agora, deu esse passo.
Mas e a cobertura vacinal como vai? Muito bem. Temos, de acordo com o Vacinômetro do CNS, pelo menos 76% da população adulta coberta com as duas doses e apenas 51% com o reforço. Na população infantil acima de 5 anos, a cobertura das duas doses ainda se encontra em 22%. Temos uma boa cobertura, mas temos que caminhar mais. A meta estabelecida é buscar os 90%. Dados do estado de São Paulo, coletados no fim do ano e publicados na Folha de São Paulo de 14/03/2022, informam que entre vacinados a mortalidade era de 13 em 100.000 hab e entre os não vacinados a mortalidade era de 332 em 100.000 hab – 26 vezes maior!
Assim, alguns técnicos são a favor burocraticamente de revogar a ESPIN e outros, somando a situação nacional e internacional, acreditam que o correto seria manter a ESPIN por mais tempo.
Mas temos a questão política também. Este é um ano eleitoral e todos sabemos a opinião do candidato à reeleição. Ele não acredita que enfrentamos nada mais que uma gripezinha, que valia a pena se infectar e enfrentar a doença para alcançar rapidamente a imunidade de rebanho e, portanto, nada de vacina. E, se necessário, usemos uma cloroquinazinha.
Creio que ainda é cedo para dizer: Acabou! Creio que é, sim, tempo de descomprimir, de sair, de diminuir a tensão. Mas com calma, sem aglomerar e, sempre que em ambientes fechados, com atestado de vacina e, a despeito da indicação, usando uma boa máscara! Política à parte, minha saúde antes.