Apesar de não ser um fenômeno considerado novo, a desinformação passou a ser pauta frequente da sociedade nos últimos anos. As chamadas “fake news” amedrontam pelo impacto que podem causar, já que, com a inserção das novas tecnologias da informação e comunicação no cotidiano, elas podem alcançar mais pessoas em uma velocidade muito maior do que no passado.
Dentre as áreas em que há disseminação de notícias falsas, a saúde é alvo frequente. A preocupação com esse fenômeno fez com que recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) convocasse representantes de empresas de redes sociais para discutir soluções para o problema.
Para William Malfatti, diretor de comunicação da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed), a disseminação de informações incorretas é um risco à saúde pública. “A desinformação é uma doença informacional, que pode causar letalidade. É um mal contemporâneo, que leva à propagação de doenças que de certa forma estavam equacionadas em um passado não muito distante”, diz.
Notícias falsas na saúde
A desinformação é considerada um agente ativo do movimento antivacinação, que levou à queda das taxas de imunização em diversos países do mundo. O Brasil, um país que já teve índices de cobertura vacinal de 95%, viu esse valor decrescer para 75%, alerta o diretor de comunicação da Abramed.
Uma pesquisa realizada pela Avaaz e a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), no ano passado, mostrou que sete em cada dez brasileiros acreditam em alguma informação falsa relacionada à vacinação. Dentre as pessoas consultadas no estudo que não se vacinaram, 57% delas relataram pelo menos um motivo considerado como desinformação pela SBIm e a OMS. Os mais comuns foram não achar a vacina necessária, ter medo dos efeitos colaterais, medo de contrair a doença que estava tentando prevenir, por causa de notícias e alertas lidos online ou ditos por um líder religioso.
William Malfatti lembra que a desconfiança em torno das vacinas surgiu com a publicação de um artigo, em 1998, na The Lancet. O conteúdo associava a tríplice viral com o transtorno do espectro autista, o que viria depois a ser desmascarado. “Anos mais tarde, em 2010, foi desvendada a fraude. Embora estivesse no mundo offline, contudo, isso se propagou no boca a boca. Com o surgimento dos meios digitais, há um processo de desintermediação da informação. Todo mundo é repórter de si. E a informação se propaga numa velocidade muito maior”, explica.
A desinformação não ocorre somente em relação às vacinas. Recentemente, vídeos que circularam pelo WhatsApp traziam supostos efeitos da contaminação por coronavírus e recomendações de uso de chás para “cura”. A cada notícia de nova doença, o leque de informações falsas se amplia, se unindo à disseminação de fake news sobre condições mais conhecidas, como o câncer.
Outra área constantemente atacada é a de exames. “Dados como o de que 80% dos exames não apontam nada são erroneamente usados para induzir as pessoas a acreditarem que eles são desnecessários. Na verdade, o recomendado é a pessoa buscar ajuda profissional para determinar os exames que precisa realizar”, lembra William Malfatti.

Como agir
Para combater a desinformação, os médicos devem ter como fator primário o aporte científico. “O profissional médico é o guardião das informações sobre saúde. Ele deve sempre compartilhar o conhecimento na sociedade, com objetivo informacional e educacional”, explica o diretor da Abramed. A informação deve ser compartilhada para além do consultório. “Buscar atender os meios de comunicação, usar os canais digitais que possuam, são formas de atuar. É preciso reforçar o conhecimento científico e levá-lo em linguagem acessível para a população.”
O médico também deve estar atento ao período de sazonalidade da disseminação de desinformação em saúde, que acontece atrelado a calendários de imunizações, por exemplo. De acordo com o Ministério da Saúde, na época de vacinação contra a gripe a principal notícia falsa divulgada era de que uma nova gripe existia e de que o chá de erva-doce era a cura para a doença.
Indicar para o paciente canais oficiais para esclarecimento de dúvidas também pode ser um caminho. O Ministério da Saúde disponibiliza um número de WhatsApp para checagem de informações de notícias e conteúdos compartilhados em redes sociais: (61) 99289-4640.
A partir de um núcleo de monitoramento nas redes sociais, que funciona todos os dias da semana, o Ministério da Saúde acompanha e desmente boatos, dados incorretos, fora de contexto ou sem evidências científicas. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, após um mês de lançado, o canal recebeu e analisou duas mil notícias, das quais 310 eram falsas. Em um ano, o grupo recebeu 12,2 mil mensagens com dúvidas da população sobre boatos, que esclareceram 104 notícias falsas diferentes.
Os temas mais recorrentes são: vacinação, falsos cadastros para atendimento no SUS, surgimento de câncer por falta de vitamina, uso excessivo de celulares e várias notícias de curas milagrosas por meio da ingestão de alimentos. As análises feitas pelo Ministério da Saúde podem ser acessadas pelo site www.saude.gov.br/fakenews.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) também está mobilizada em torno do assunto e realizou uma série de oficinas sobre como informar diante do contexto da pós-verdade, conceito que explica um momento social em que a verdade deixou de importar. Para estimular a reflexão sobre o tema, a Fiocruz realizou em 2019 o II Seminário Internacional e VI Seminário Nacional “As Relações da Saúde Pública com a Imprensa: Fake News”. O material está compilado em uma série de vídeos no Youtube.
O Manual da Unesco sobre Fake News, por sua vez, reúne informações sobre o que são as notícias falsas, como elas afetam a vida da população e quais as perguntas que devem ser feitas para descobrir se uma informação é falsa ou não. Além disso, o manual compila uma série de links para outros documentos e lista serviços de fact-checking em vários países.

















