*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a linha programática e ideológica da Seguros Unimed.
O Brasil enfrenta o desastre da pandemia e se pergunta onde estão as vacinas. Não as compramos e temos dificuldades para produzi-las. A FIOCRUZ que fez um acordo de transferência de tecnologia com a universidade de Oxford e conseguiu recursos doados para atualizar uma fábrica, está na fase de produção de lote piloto e deverá estar em condições de entregar seus lotes a partir de setembro. O Butantã deverá ter uma fábrica multipropósito pronta em fevereiro onde poderá produzir a Coronavac e outras vacinas, como contra a hepatite B e a difteria que deixaram de ser produzidas por falta de atualização em suas fábricas. A nova fábrica também contou com doações para ficar pronta.
A ciência brasileira neste delicado momento está de joelhos. O procurador geral da república pede a censura do professor Conrado Hubner, docente da Faculdade de Direito da USP, devido a uma crítica que ele publicou sobre a falta de atuação da PGR diante da ineficaz ação do governo no combate à pandemia. O ex-reitor da UFPE, Pedro Hallal, manifestou sua contrariedade com a não observação da lista de candidatos a reitor e foi chamado pela Corregedoria que impôs silêncio a ele.
Vivemos um clima de censura nas universidades federais. Dos 69 reitores, 19 que tiveram mandatos vencidos não tiveram as listas tríplices respeitadas pelo MEC e pelo presidente, incorrendo em grave desrespeito à autonomia das universidades.
Os recursos da ciência são, em 2021, 29% inferiores a 2020, mas pior é que 48% do que deveriam estar disponíveis, estão contingenciados. Também neste ano, o complexo CNPQ/CAPES, financiará apenas 13% das bolsas de pós-graduação stricto sensu. Para os atuais ocupantes do poder, bolsistas não produzem ciência. Os ignorantes que ocupam posições na ciência e tecnologia e na educação não têm ideia de como o conhecimento é produzido.
Os orientadores têm linhas de pesquisa e aceitam alunos que desenvolvem e publicam suas pesquisas, que disseminam esses conhecimentos e fazem o ciclo da ciência rodar. Conhecimento gera conhecimento, e a partir disso temos a produção de inovações e produtos que se transformam em valor para a sociedade. É assim no mundo inteiro. Aqui, esse ciclo está interrompido.
A plataforma Lattes que registra a produção intelectual de todos os cientistas brasileiros, um instrumento fundamental da nossa ciência, está fora do ar. O computador do CNPQ que a hospeda teve queimada uma placa mãe e a máquina está inoperante, sem previsão de quando ou se voltará a operar.
Enquanto a Alemanha investe 3,1% do PIB em ciência e tecnologia e a Coreia do Sul, 4,6%, o Brasil investirá, neste ano, 1,2%, apenas. Mas o fundo eleitoral para os partidos gastarem nas eleições de 2022 passou de 2 bilhões para 5,7 bilhões de reais.
Em Minas Gerais, a UFMG desenvolveu uma vacina de partícula proteica contra o Sars-Cov-2 muito promissora nos estudos pré-clínicos. Teve que mandar fabricar os lotes-piloto para realizar a fase clínica nos EUA por 33 milhões de reais e em uma quantidade suficiente apenas para os estudos de fase 1 e 2. Não deu para correr o risco de já encomendar o produto para a fase 3. Como estão associados com a Fundação Ezequiel Dias (FUNED), o governo de Minas Gerais está pagando a pesquisa. Esses estudos são muito caros.
Não é por outra razão que o laboratório alemão que desenvolveu a vacina da Pfizer, buscou uma associação com um conglomerado empresarial americano. Os estudos da fase 3 da vacina mineira devem custar 300 milhões de reais e não há quem pague. Se a vacina passar nas fases 1 e 2, será uma proposta muito boa, mas sem perspectiva de realização da fase 3, e pior – se aprovada – não terá uma fábrica nacional.
A Versimune da USP de Ribeirão Preto, em associação com uma empresa privada, a Farmacore, está tendo seus estudos clínicos financiados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Tanto a vacina da USP/RP, como a do Butantã são muito promissoras – sabemos fazer vacinas, temos cientistas formidáveis, mas falta investimento e suporte.
Precisamos de vacinas?
Sem dúvida, ainda temos que vacinar a população com menos de 18 anos e, como em todo o mundo se está constatando, teremos que aportar doses de reforço para todas as vacinas até aqui utilizadas, que estamos chamando de terceira dose. E talvez tenhamos que mudar a formulação das vacinas atuais para responder de maneira adequada às prováveis futuras mutações do vírus.
Para que serve investir em Ciência e Tecnologia? Hoje estamos chegando a 550 mil mortos. Parte substancial desses mortos seriam evitados se tivéssemos começado a vacinar em volume adequado em janeiro. Em vez de 4 milhões de doses como fizemos, o correto seria 70 milhões como teríamos condição de fazer, se tivéssemos vacinas. Para isso, deveríamos ter comprado vacinas da Pfizer quando oferecidas pela indústria em mais de 50 e-mails ao país ou deveríamos ter investido em ciência e desenvolvido nossas próprias vacinas.
Temos três vacinas em fase pré-clínica e outras 12 em estudos pré-clínicos. Mas nos faltam políticas públicas de financiamento de pesquisas no Brasil neste momento. Que triste situação a nossa, com tanta riqueza ao alcance das mãos, somos e estamos cada vez mais miseráveis por nossa própria culpa.