Por estes dias foi anunciado o sequenciamento da VOC (Variant of Concern ou variante de preocupação, na sigla em inglês) identificada como B.1.1.529 e em seguida denominada com a letra grega Ômicron pela OMS – Organização Mundial de Saúde. A identificação foi realizada na África do Sul, que apesar de tudo tem um bom sistema de sequenciamento ligado ao sistema de saúde local.
Esta é a quinta VOC identificada no mundo nesta pandemia. As anteriores foram a Alfa em Londres, a Beta também na África do Sul, a Gama em Manaus e a Delta na Índia. No Brasil, as duas primeiras não causaram grande estardalhaço. Quando elas estavam ativas, a Gama reinava por aqui e também não se espalhou pelo mundo. Ficou na América do Sul e causou um monte de mortes. No Brasil, a primeira onda matou em torno de 200 mil pessoas e a Gama, em seguida, mais de 400 mil. No momento atual, fomos colonizados pela Delta, que de acordo com o sistema de rede genômica da Fiocruz, impera em mais de 90% do país.
A Gama tinha como característica a capacidade de se espalhar com facilidade e foi muito mortal. A Delta tem a mesma característica e por isso foi muito temida sua chegada no Brasil. Era esperado que ela fosse se comportar de maneira semelhante aqui, comparando com o que está realizando na Europa, Ásia e América do Norte, em que está sendo letal. Três são os componentes que facilitam sua ação no hemisfério norte – o frio que promove aglomerações em locais fechados, o negacionismo das vacinas e a capacidade infectante da Delta.
No Brasil, a Delta encontrou uma taxa de cobertura vacinal semelhante à de uma parte dos países da Europa (em torno de 60%) mas também muitos sobreviventes da Gama – se estima que 30% da população pode ter tido a Gama e os anticorpos desenvolvidos para derrotar a Gama devem estar nos protegendo contra a Delta. Essa é a hipótese mais provável para não estarmos vivendo o que se passa no hemisfério norte. Provavelmente existe lá também um componente de relaxamento no isolamento e no uso de máscaras, que está contribuindo para o aumento do número de casos.
Certo é que a cobertura vacinal em boa parte dos países estagnou em 60%, (Portugal é uma rara exceção) e nos países do leste europeu a cobertura está nos 30%. E na maioria dos países não é por falta de vacinas.
Nesse clima, com 5,2 milhões de mortes, um péssimo ambiente econômico e político, acontece o inevitável – a identificação da Ômicron. Por que inevitável? Porque, em um processo acelerado de produção de casos novos pela presença da Delta em regiões menos castigadas e com baixa cobertura vacinal, o aparecimento de novas variantes é esperado.
Sempre que existe a reprodução do vírus, provavelmente ocorrem erros na cópia realizada. Se o erro tornar a cópia menos infectante, ela tenderá a desaparecer. Mas se a cópia tiver uma maior capacidade de infectar, de se espalhar, e de preferência, se não for mais letal, não matar o hospedeiro, a tendência é que ela se imponha em relação às outras variantes que estejam circulando.
O que ocorre no Brasil é que devemos ter algo em torno de 30% da população não protegida por vacina ou variante anterior e, nessas pessoas, quando as encontra (evento probabilístico), a Delta ocupa o espaço da Gama e produz a doença. Essa é a explicação para de 100 a 150 mortes que estamos tendo como média móvel diária.
No hemisfério norte, a questão é difícil pois estão tendo muitos casos e parte deles são de alguma gravidade. Até a Alemanha está com suas UTIs lotadas e precisou pedir auxílio à Itália. No Brasil, depois de todo o estrago da Gama, respiramos e sonhamos com festas e carnaval.
Mas aí surge a variante Ômicron. O que muda?
Ainda é muito cedo para concluir qualquer coisa, mas as informações da África do Sul são de que ela é muito infectante e produz uma doença mais leve. Sintomas de cansaço são os mais citados. Não há registros de mortes neste início de ocorrência. Mas no estudo das mutações revelou-se um vírus com cerca de 50 mutações a mais em relação às existentes. Cerca de 30 delas estão somente na proteína S da espícula, que é responsável pela penetração nas células. O nível de transmissão é maior e a virulência parece menor. Mas não temos certeza ainda.
E as vacinas? Como parte das vacinas – de RNAm (Pfizer, Moderna), vetor viral (AstraZeneca, Janssen) e de partícula proteica (Novavax) – se concentraram na proteína S, elas continuarão sendo eficazes?
Perguntas ainda sem resposta, mas que estão merecendo um febril trabalho das grandes farmacêuticas e dos laboratórios de pesquisa que estão aprendendo como esse vírus funciona. Por hora, a conduta tem que ser expectante e muito cuidadosa. Não dá para reduzir o ritmo da vacinação. Temos que vacinar os jovens e as crianças e temos que manter o uso de máscaras, pelo menos em ambientes fechados e manter um distanciamento social nesses mesmos ambientes. Sem aumento da cobertura vacinal a algo próximo a 90%, não existe normalidade. E se impõe a requisição de algo que já exigimos em relação à febre amarela, que é o passaporte da vacina. A liberdade de não se vacinar põe em risco toda a população. O direito à vida se sobrepõe a todos os outros direitos e isso está claro em nossa lei maior.
De resto, temos que criar um vetor mundial, para auxiliar os países que não conseguem comprar vacinas a ter acesso a vacinas. É hora de criar uma corrente mundial de solidariedade para garantir que o mundo se proteja contra o Sars-Cov-2. E sobretudo temos que parar de destruir o mundo, ou vamos topar com outro bicho tentando melhorar sua existência e fazendo um spillover na esquina!
Em outras palavras, o fim da pandemia a nós pertence!