Uma profunda recessão global em 2020 ser inevitável, não é novidade. Contudo, enquanto as incertezas a respeito do tempo que durarão as medidas de isolamento social para enfrentar a atual pandemia do coronavírus tornam o trabalho de projetar a magnitude da contração mais impreciso, as discussões mais relevantes se voltam para a trajetória da recuperação do crescimento mundial.
Um dos maiores desafios em relação ao ritmo de crescimento esperado para os próximos meses está no entendimento sobre como será a saída do isolamento social e quais são as consequências das medidas de restrição para as futuras decisões de consumo e investimento.
Primeiramente, é inegável que a determinação do fim das medidas de restrição de mobilidade não é trivial. A ausência de dados de qualidade dificulta um diagnóstico confiável da situação real de cada país, o que impede um melhor entendimento sobre o estágio da pandemia em cada país. A Organização Mundial da Saúde (OMS) listou as diversas etapas que são necessárias para um país poder iniciar o processo de afrouxamento do isolamento social. Além de ser necessário a observação de uma sólida tendência de redução dos casos de contaminados por pelo menos 14 dias, é preponderante que os hospitais não estejam sobrecarregados e que haja aumento da capacidade de testes e monitoramento dos pacientes.
Mesmo que estas condições sejam alcançadas, no entanto, ainda deve ocorrer cautela no relaxamento das medidas de restrições e será um árduo processo para sair da quarentena. Apesar de todos os países quererem retomar a atividade econômica o mais rápido possível, o risco do desencadeamento de uma segunda onda de infecções exige gradualismo na estratégia de saída. A experiência de alguns países na Ásia corrobora este receio sobre uma eventual nova onda de contaminação. Após o sucesso inicial na supressão do coronavírus, Japão e Cingapura observaram um ressurgimento dos casos de contaminação e voltaram a adotar medidas restritivas. No Japão, um estado nacional de emergência foi declarado e Cingapura voltou a fechar as fronteiras.
De fato, nesta fase inicial do abrandamento do confinamento, ainda não existe um plano padrão para todos os países seguirem. Na China, o epicentro da pandemia do coronavírus, por exemplo, embora carros, trens e aviões tenham voltado a operar, algumas restrições permaneceram por algumas semanas. Moradores, por exemplo, somente podiam sair para ir ao trabalho para serem autorizados a sair de casas.
Na Europa, muitos países também começaram a flexibilizar as medidas de confinamento e o retorno à normalidade varia de país para país. Enquanto na Espanha, os trabalhadores de fábricas e da construção civil retornaram ao trabalho antes de outros setores, na Itália foi o comercial não essencial, como livrarias, papelarias e lojas de roupas infantis que reabriram mais rápido. Já na Alemanha, fábricas e lojas reabriram e, inclusive, as aulas retornaram.
A despeito de cada país ter seu próprio mapa para saída do isolamento social, há consenso de que algumas medidas adotadas continuarão recorrentes em todos os países mesmo com o fim da quarentena. É esperado que os cidadãos cumpram um protocolo de segurança que inclui distanciamento social, uso constante de máscaras e necessidade de higienizar as mãos. No ambiente de trabalho, a sanitização de ambientes, checagem habitual da temperatura e incentivo para continuidade do trabalho home office também devem ser práticas comuns. Adicionalmente, também existem poucas dúvidas de que os setores de serviços relacionados ao turismo, alimentação fora do domicílio e cultura, devem demorar mais para reabrirem. Já no campo da saúde, a ampliação maciça de investimento em equipamentos, tecnologia
Além de a saída gradual do isolamento ser um impeditivo para uma rápida recuperação do crescimento, é a reação da população na reabertura da economia que pode ser o maior empecilho para a volta da atividade econômica. Sem uma vacina contra o coronavírus ou um medicamento para a doença, temores a respeito de novos surtos da pandemia manterão as pessoas desconfortáveis e receosas para voltarem para atividades usuais. Fora a preferência por não usar transportes públicos, os consumidores demorarão para voltar a viajar, ir à academia, eventos culturais ou frequentar comércio e restaurantes.
Os desdobramentos na economia chinesa também são indícios de como a volta da economia pode ser lenta. Desde a experiência inicial de reabertura da China, observa-se que enquanto a produção industrial se recupera rapidamente, o ritmo de avanço do consumo, das vendas de imóveis e circulação das pessoas nas ruas é lento e ainda não retornou para o patamar anterior à crise ocasionada pela pandemia.
Assim, a convivência com o coronavirus sem o desenvolvimento de uma vacina ou medicamento, será desafiadora para a recuperação econômica. Apesar de haver ansiedade para que todos os países deixem o confinamento, persistirão a apreensão e o risco de novas quarentenas. Mais importante, mesmo que as autoridades busquem reabrir a economia o mais rápido possível, sem amplo investimento em saúde, aumento da capacidade de testes e maior capacidade de atendimento, a população ainda vigilante responderá que a vida, e a economia, não voltarão ao normal tão facilmente.
Marcela Heilbuth Pereira Rocha
Economista Chefe
Claritas Investimentos | A Principal® Company
www.claritas.com.br