Desde o início da pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2), médicos e cientistas têm se debruçado incansavelmente para entender melhor os mecanismos de ação do vírus no corpo humano.
E, conforme os dias mais críticos da pandemia vão ficando para trás, novos estudos e novas descobertas vão descortinando o real impacto que esse patógeno tem – e possivelmente continuará a ter – na saúde de quem foi contaminado por ele.
Nos últimos meses, novas evidências sugerem que uma dessas sequelas é a infertilidade masculina. Em um estudo feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), os pesquisadores constataram que, de 26 pacientes com casos leves e moderados de covid, 42,3% apresentaram um quadro de epididimite – inflamação que acomete o epidídimo, um canal localizado na parte posterior dos testículos e por onde os espermatozoides passam para se prepararem para fecundar o óvulo. A pesquisa foi publicada na revista científica Andrologia.
Outro estudo, também da FMUSP, observou que o Sars-CoV-2 invade as células testiculares e acaba prejudicando a espermatogênese (produção de novos espermatozoides) e ainda a produção hormonal, em especial da testosterona – que pode impactar diretamente a qualidade de vida do indivíduo ao provocar sintomas como cansaço, perda de massa muscular e ganho de peso.
De acordo com os pesquisadores, a provável causa da diminuição da espermatogênese foram lesões que a presença do vírus causou nos vasos do parênquima testicular, com a presença de trombos, o que levou a uma redução na oxigenação do tecido na região. Além disso, a presença de fibroses obstruindo os túbulos seminíferos, onde os gametas são produzidos, pode ter agravado a situação.
Vale ressaltar, no entanto, que, diferente do que algumas notícias falsas que têm sido disseminadas nas redes sociais afirmam, não há nenhuma evidência científica de que as vacinas contra o novo coronavírus (seja de RNA ou feita com o vírus inativado) tenham qualquer efeito sobre a fertilidade do ser humano.
Problema requer atenção e mais estudos
De acordo com o urologista e andrologista Reginaldo Martello, membro da SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) e médico credenciado da Unimed-BH, a invasão do corpo pelo Sars-CoV-2 se dá por meio da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2), que é amplamente expressa em vários tecidos importante do corpo, incluindo aí as gônadas masculinas.
Com isso, a região estaria mais vulnerável a sofrer com uma infecção provocada pelo vírus – a chamada orquite viral, que pode afetar a espermatogênese e a produção de testosterona. Outros patógenos também são famosos e conhecidos por provocar o mesmo quadro de infecção que atinge os testículos, como é o caso da caxumba, hepatites B e C, herpes simplex, influenza, Zika, Ebola e Marburg, entre outros.
O especialista lembra ainda que outros danos ao tecido testiculares podem acontecer como resultado de uma vasculite (inflamação), já que a covid é uma doença que tem se mostrado também como facilitadora de eventos microtrombóticos intravasculares em órgãos como pulmões, coração, rins e cérebro, além dos próprios testículos.
Martello lembra, no entanto, que os efeitos adversos no sistema reprodutor masculino têm sido geralmente subinvestigados, o que é preocupante e precisa ser revisto pela comunidade científica.
“Os estudos sugerem que o dano testicular pode provocar infertilidade mediada tanto por invasão viral direta, por resposta imunológica ou resposta inflamatória secundária”, explica. “Isso pode afetar negativamente tanto adultos que tiveram a doença como pacientes pediátricos quando estes chegarem à idade reprodutiva”, alerta.
No entanto, ele reforça que ainda são necessários mais estudos para entender a questão e que, por enquanto, os dados são inconclusivos. “Qualquer impacto negativo de longo prazo na reprodução masculina permanece inexplorado, mas é algo a ser considerado no futuro”, avalia.