As incertezas da pandemia do SARS-CoV-2 são acompanhadas pela austeridade dos cálculos matemáticos, feitos por um time que pode soar improvável, formado por físicos, matemáticos, epidemiologistas e cientistas da computação.
Nas universidades, esses profissionais estudam com afinco a doença e o seu comportamento para projetarem possíveis cenários do novo coronavírus. A finalidade é auxiliar as autoridades sanitárias na tomada de decisões. Lockdown, fim do isolamento social ou mesmo mudança de estratégias no combate à COVID-19 levam em conta as estatísticas.
Entre os modelos matemáticos epidemiológicos em circulação, um dos mais utilizados como base ainda é o SIR, que surgiu na década de 1930. É também o mais simples. Mas, a partir dele, cientistas desenvolvem novas modelagens, sofisticadas e repletas de equações complexas.
“Os modelos atuais, além das variáveis S (suscetíveis), I (infectados) e R (recuperados) do modelo SIR, incluem D (mortos), Q (quarentena), IA (infectados assintomáticos) e IS (infectados sintomáticos), entre outras”, explica Marcus Beims, pesquisador do Departamento de Física da Universidade Federal do Paraná (UFPR). “Existe um grande número de modelos que são variações do SIR”, completa.
Um estudo recente de uma equipe da UFPR, em que Beims é coautor, fundamentou-se em um modelo epidêmico para analisar a relação entre falta de rigidez no isolamento social e o crescimento de infectados pelo coronavírus no Brasil, China, França, Alemanha, Itália, Japão, Coreia do Sul, Espanha e Estados Unidos.
Em outra iniciativa, pesquisadores da UFPR desenvolveram um modelo estatístico que apontou o Sul e Centro-Oeste do país como novos epicentros da pandemia no Brasil. A pesquisa foi divulgada em 23 de junho. “Os modelos matemáticos conseguem simular tendências do que pode acontecer com a pandemia da COVID-19”, confirma Beims. Os dados deste trabalho são atualizados sistematicamente por uma equipe do Laboratório de Estatística e Geoinformação, em parceria com o Serviço de Epidemiologia do Complexo Hospital de Clínicas da UFPR.
Diversas instituições de ensino também se dedicam a projeções que buscam contribuir para o controle da COVID-19. Entre elas, a Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), além de projetos relevantes que reúnem comunidades acadêmicas de locais e até de países variados. Um deles é o Observatório Covid-19, que faz análises nowcasting, cujo objetivo é focar no cenário presente. Esse tipo de modelo seria adotado em virtude das dificuldades e do atraso da notificação de dados da pandemia no Brasil.
Algumas previsões que despertaram atenção mundo afora foram baseadas em modelos matemáticos desenvolvidos pela Universidade de Tecnologia de Singapura (SUTD), em abril. Elas indicavam o fim da pandemia do SARS-CoV-2 no Brasil entre junho e agosto. No mundo, a doença estaria erradicada em dezembro de 2020, de acordo com esses cálculos. Mas, com informações mais recentes acrescentadas aos trabalhos, as projeções foram se modificando. Segundo o site da universidade, “os dados são imprecisos para realidades complexas”.
Embora sejam ferramentas necessárias e que ganharam protagonismo neste momento da crise global de saúde, há dificuldades para serem mais assertivas por sensibilidade a fatores que vão de especificidades regionais a desconhecimento do novo vírus e respostas a políticas públicas. “São simulações para tempos futuros próximos; por isso falamos em tendências, e não em previsões exatas”, esclarece o físico Marcus Beims.