Quando um paciente abre uma disputa judicial contra um médico, de acordo com o sistema jurídico brasileiro, cabe a ele reunir as provas necessárias para comprovar a culpa ou dolo do profissional. Este é o chamado “ônus da prova”, previsto no Código de Defesa do Consumidor. “Sua inversão ocorre quando o indiciado precisará comprovar que não agiu de forma contrária à lei”, resume Fabiano Marques André, advogado especialista em Direito Médico e Hospitalar da AMK Advogados.
Essa é uma questão extremamente importante, pois quem carrega este encargo terá que provar que sofreu algum dano. “Quanto aos meios de prova, podem ser testemunhais, documentais e periciais, porém, na medicina o que tem maior valor em regra são as provas periciais”, afirma Sílvio Eduardo Valente, Presidente da Comissão de Direito Médico da OAB-SP.
O sistema processual clássico de repartição do ônus da prova é pautado pela premissa de igualdade entre as partes. Ela, entretanto, não existiria na relação médico-paciente porque, geralmente, quem produz a denúncia – portanto, o consumidor – não tem capacidade ou condições técnicas de promover as provas. Por isso, considera-se que ela é uma parte vulnerável na relação processual e pode-se inverter o ônus para o médico.
A questão, no entanto, gera muitas discussões no âmbito jurídico. Isso porque o ônus da prova pode ser deslocado de acordo com a obrigação do prestador de serviço. Se a obrigação do prestador — neste caso, o médico — era de apresentar resultados, cabe a ele provar que fez tudo o que podia para alcançá-los. Por isso, aqui, pode-se aplicar a inversão de ônus da prova. Do outro lado, caso a obrigação seja de meios – quando o profissional deve se empenhar em aplicar seu conhecimento para obter um resultado, mas sem se responsabilizar por ele –, o ônus da prova cabe a quem alega o direito.
“Em uma demanda de um paciente em relação a um médico, o ônus cabe ao paciente, sendo que ele deverá buscar provas”, diz Valente.
Por isso, a instituição da inversão do ônus da prova não é automática. “Dependendo das circunstâncias de cada caso, o juiz avaliará se ela deve ser aplicada, de acordo com as provas que estiverem no processo. Essa é a chamada teoria do livre convencimento do juiz”, explica André.
Para ilustrar, suponha que um médico prescreveu um tratamento para gripe e, no entanto, o paciente não se cura. Aqui, seria necessário verificar se este é o mesmo tratamento prescrito a todos os pacientes com os mesmos sintomas. “Se for este o caso, não haveria que se falar em responsabilidade do médico, uma vez que se trata de uma obrigação de meio, e não de resultado final”, aponta André. Ou seja, ele se compromete a fornecer os meios para que o paciente se cure, mas não é diretamente responsável pelo resultado. Por outro lado, a inversão seria aplicável no caso de um cirurgião plástico procurado para a implantação de próteses de silicone. Aqui, ele tem a obrigação de entregar um resultado final.
Usando a seu favor
A melhor conduta é sempre a preventiva, ou seja, a manutenção de um bom relacionamento com o paciente, expondo de forma clara os diagnósticos e tratamentos propostos, assim como suas alternativas, e sempre mantendo o prontuário atualizado e adequadamente preenchido. “Vale ressaltar que é de suma importância o correto preenchimento do prontuário médico, com todas as informações possíveis e adequadas ao caso, pois ele é o principal documento constituinte de provas judiciais”, enfatiza André.
Agindo desta forma e comprovando que não houve imperícia, negligência ou imprudência, não há que se falar em responsabilização do profissional – mesmo que o resultado não seja o mais esperado.