Nas próximas quatro décadas, o número de idosos no Brasil deve triplicar, de acordo com estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Se, em 2010, eram 19,6 milhões de pessoas nessa faixa etária (10% da população), em 2050 serão 66,5 milhões, o equivalente a 29,3% dos brasileiros.
Se, por um lado, a maior expectativa de vida mostra uma melhoria nas condições de saúde, por outro ela traz novos dilemas morais e éticos para médicos. Isso porque o prolongamento da vida também está relacionado à maior incidência de doenças crônicas graves e incuráveis, que evoluem para a perda de qualidade de vida e da autonomia do paciente, entre elas doenças oncológicas, pulmonares-cardiológicas e neurológicas.
Essa mudança leva o médico a uma difícil decisão: como saber o que de fato importa para o paciente se ele se ele não estiver apto a responder? Qual o seu desejo na fase final da vida? Uma das formas de ultrapassar essa barreira são as chamadas diretivas ou diretrizes antecipadas de vontade, um documento feito pelo paciente contendo instruções por escrito. O intuito é orientar o cuidado do médico quando o paciente não tem condições de expressar sua vontade.
De acordo com Cesar Biselli Ferreira*, médico da equipe de cuidados paliativos do Hospital Sírio-Libanês, o documento deve deixar claros os valores e objetivos do cuidado, ou seja, o que importa para o paciente. “Os valores variam. Podem ser autonomia, convívio com a família, viver a qualquer custo, entre outros. A partir disso, o médico define a melhor estratégia e o que fazer, do ponto de vista biológico, para o paciente ter uma qualidade de vida melhor nessa fase.”
O que está escrito, porém, não é válido em qualquer situação. “As diretrizes só se aplicam quando o paciente tem uma doença terminal grave, incurável e esteja incapaz de tomar decisões naquele momento”, ressalta.
Para Ferreira, o documento pode sanar a lacuna de comunicação entre médico e paciente em cuidados paliativos e também do próprio paciente e suas famílias. “Existe um gap muito grande entre o que os pacientes querem e o que acontece. Por quê? Claramente um dos maiores problemas é a dificuldade que temos para falar sobre morte, e isso leva a uma falha de informação”, explica.
Veja abaixo algumas dúvidas comuns sobre o tema:
O que são diretivas ou diretrizes antecipadas de vontade?
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), é o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.
Quais são os tipos de diretivas ou diretrizes?
Os tipos são testamento vital ou mandato duradouro, mas, no Brasil, as duas modalidades se imbricam.
O testamento vital é um documento em que o próprio paciente define os tratamentos médicos aos quais ele deseja não ser submetido. O mandato, por sua vez, indica para quem o paciente delega o poder de decisão, caso não esteja apto a responder. É comum que, nas diretivas, estejam incluídas essas duas informações.
Diretiva antecipada de vontade é a mesma coisa que eutanásia?
Não. O objetivo das diretivas não é abreviar a vida dos pacientes, é sim evitar o prolongamento inútil e doloroso do processo de morte. “Quando falamos de cuidado inútil e sofrido, temos que associar isso aos valores do paciente. Quem define o que é inútil e sofrido? Só o paciente”, reforça Ferreira.
Se for desejo do paciente, as diretrizes servem de instrumento contra a distanásia, ou seja, contra a introdução de tratamentos incapazes de trazer benefícios para pessoas na fase final de vida.
Existe alguma legislação sobre esse tema no Brasil?
Não há uma legislação específica, mas O CFM já se posicionou sobre o assunto. A resolução n° 1.995/2012determina que as diretivas prevalecem sobre qualquer parecer não médico, inclusive sobre o desejo dos familiares.
Quem pode fazer diretivas?
Praticamente qualquer pessoa. É necessário ser maior de 18 anos e estar em pleno gozo de suas capacidades cognitivas. Para atender a esse último critério, é importante que as diretrizes sejam traçadas antes da fase de degeneração provocada pelas doenças.
Onde a diretiva pode ser registrada?
No prontuário do paciente. Também é possível o registro em cartório, mas não é obrigatório.
*Cesar Biseli Ferreira foi palestrante do Congresso de Qualidade e Segurança do Paciente, promovido pela Federação Brasileira de Administradores Hospitalares (FBAH) durante a Hospitalar Feira + Fórum.



















