As vacinas estão perdendo sua eficácia? Estudos estão sendo realizados em diversos países do mundo, e demonstram que seis meses após aplicadas, as vacinas apresentaram uma queda na produção de anticorpos. Todas têm apresentado esse resultado, embora algumas tenham um decaimento maior e que também piora devido à idade, pela ação do fenômeno já conhecido da imunossenescência. Essa queda é maior nas vacinas de vírus inativado do que nas de vetor viral e de RNAm (RNA mensageiro).
Paralelamente a esse fenômeno, a variante delta, originada na Índia, está percorrendo o mundo e causando um grande estrago. Países como Israel, que já tem uma cobertura vacinal de cerca de 80% usando vacinas de RNAm, estão discutindo realizar outro lockdown. Os casos crescem e os hospitais estão ficando cheios. O fenômeno da reincidência mesmo em pessoas já vacinadas preocupa a todos.
Nos EUA, na Europa, no sudeste asiático, incluindo a China, a nova variante está alarmando as autoridades sanitárias. A nova variante não é mais letal, mas tem uma capacidade de espalhamento muito superior às variantes anteriores. Ampliar a vacinação continua sendo fundamental, apesar da queda da proteção individual – é consenso que as vacinas diminuem os casos graves e mortes, mas nem sempre evitam os casos.
Assim, o aparecimento de uma variante capaz de se espalhar com mais facilidade conjugada a uma queda da proteção vacinal devido ao tempo decorrido após a vacinação, há cerca de seis meses, está causando muita preocupação em todo o mundo.
No Brasil, já está comprovada a transmissão local da delta em praticamente todos os estados. Foi ignorada a regra do isolamento e do controle de pessoas vindas de fora e em particular de países com transmissão alta da nova variante. Não que se conseguisse deter sua chegada, mas seria possível postergá-la um pouco mais com medidas simples adotadas nos pontos de entrada do país.
Há os casos de viajantes que entraram por Cumbica, realizaram o RT-PCR, tiveram o resultado positivo e mesmo assim circularam pelo aeroporto e posteriormente se deslocaram para suas cidades de origem, e é lastimável que isso tenha acontecido.
Agora na cidade do Rio de Janeiro, que apresenta uma política de abertura do comércio mais ampla e sem muitas restrições, incluindo nas praias, está ocorrendo o esperado – cresce o número de casos provenientes do aumento do número de pessoas aglomeradas, e isso acaba lotando os hospitais e aumentando a mortalidade. E parece que o restante do país olha para isso meio estupefato e se pergunta – não chegará a nossa vez?
Nesse torvelinho, o ministro da saúde está discutindo se as máscaras são mesmo necessárias, sabendo que se trata de uma doença transmitida por aerossóis. Essa doença veio para ficar e as máscaras farão parte de nossa indumentária, ao que tudo indica.
Esse vírus não desaparecerá, como não desapareceu o H1N1 de 2009. Porém, naquele caso, a letalidade era menor e também a capacidade de espalhamento. Também fomos rápidos para produzir uma vacina e até tínhamos um remédio – o oseltamivir. Hoje as poucas drogas candidatas a serem usadas no tratamento do Sars-Cov-2 são excessivamente caras e complexas de serem usadas.
Frente a esse cenário tão pouco agradável, as autoridades sanitárias de vários países estão propondo uma terceira dose de vacina e também que essa dose seja heteróloga. Ou seja, de uma vacina diferente da usada como imunizante. E nas faixas etárias acima de 60 anos e nos portadores de comorbidades, que essa dose seja de vacinas de vetor viral ou de RNAm.
Essa proposta sempre suscita a discussão da eficácia das vacinas que utilizamos no Brasil. Por que usamos a Coronavac se ela tem uma eficácia menor? A resposta tem duas explicações – ela foi a primeira opção desenvolvida nacionalmente e com ampla possibilidade de aplicação e segundo que quando aplicada na população, é realmente efetiva.
O experimento de Serrana e a experiência do Chile e da Indonésia demonstraram a queda de 95% de mortes e de 86% de casos graves. A decisão de incluir a vacina nacional, aliás, não é novidade no Brasil. No início da vacinação contra a pólio, algo semelhante ocorreu entre o uso da Salk e da Sabin, sendo a primeira mais eficaz que a segunda frente a uma doença muito mais grave. Mas nós conseguimos erradicar a doença com a “pior” vacina, pois ela, ainda assim, era efetiva.
Neste momento de incertezas com relação às variantes, o contágio e as restrições, temos que fazer um reforço para poder continuar com a taxa de proteção elevada e para isso temos que continuar seguindo as indicações da ciência.
Nossos cientistas deveriam ser acionados para montarmos um plano de ação que seja efetivo olhando sob a ótica da saúde, e que se afaste dessa discussão política para construir um consenso desejável sobre a questão da terceira dose. Precisamos entender com qual imunizante deve ser feito, com que periodicidade, para quais faixas etárias e quais as prioridades. E de quebra reforçar a recomendação da importância das medidas não farmacológicas de proteção individual, como o uso de máscara, do álcool em gel e de não aglomerar.
No meio dessa confusão, vale ressaltar a fala do diretor da OMS, Tedros Adhanom. Ele clama por mais igualdade na distribuição de vacinas. Países da África e mesmo das Américas, como o Haiti, quase não vacinaram ninguém e ele chama isso de um desastre ético e moral. Ele está certo, e o desastre é também sanitário, pois se o vírus continuar a circular nesses países, teremos novas variantes que irão se espalhar pelo mundo. Creio que Adhanom clama no deserto, mas que iremos nos arrepender de não o ter ouvido.