A relação médico-paciente vem se modificando com o passar do tempo. Se antes o profissional da saúde era visto como aquele que passaria a orientação e o paciente como o que a acataria, com as mudanças na sociedade, cada vez mais se fala em autonomia do paciente para tomar suas próprias decisões. E essas transformações se refletem na prática cotidiana da profissão.
O modelo que entende que o profissional de saúde, por deter o conhecimento da área, está apto a tomar decisões mais seguras pelo paciente é chamado de paternalista. A autonomia, por outro lado, defende que uma pessoa deve ter o poder de decisão no que diz respeito à própria vida. Ao médico, portanto, caberia orientá-la e ajudá-la em suas escolhas. Nessa visão, nenhuma das partes é inteiramente responsável pelo processo: é preciso que haja compartilhamento.
Para Reinaldo Ayer, professor de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e conselheiro do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP), os processos comunicativos tiveram importante influência para que a visão paternalista começasse a ser revista. “Se antes o paciente era essencialmente passivo, com o aumento da disponibilidade e agilidade das informações, ele passa a ter mais ferramentas para entender o que acontece com ele e, consequentemente, demandar mais informações do profissional.”
Essa mudança levou a novas visões na medicina, em que preceitos bioéticos, como autonomia, beneficência, não maleficência e justiça cada vez mais se consolidam, explica Henrique Batista e Silva, cardiologista, professor e secretário geral do Conselho Federal de Medicina (CFM). Essa forma mais humana de enxergar a prática profissional tem aplicação, por exemplo, no modelo de Atenção Primária à Saúde (APS), que busca responder de forma abrangente às necessidades dos pacientes e da saúde.
Na opinião de Silva, as transformações na relação médico-paciente são benéficas à área. “Com as mudanças decorrentes a partir da adoção de princípios bioéticos, a prática médica tem se modificado favoravelmente. Parte-se de uma visão paternalista mais intensa do lado do médico para uma relação em que os direitos e os interesses dos pacientes são cada vez mais respeitados.”
Como consequência desse processo, hoje, o ponto-chave para o bom relacionamento está na troca de informações. Ayer explica que atitudes como diálogo atento, olhar direto no atendimento, acolhimento e relação afetiva se mostram essenciais para uma relação bem-sucedida entre as partes. “O sucesso de um médico, hoje, na maioria das vezes, é reflexo de como ele trata o paciente.”
Por carregar em seu perfil profissional a necessidade de cuidar da saúde do outro, nem sempre é fácil para o médico deixar a autonomia do paciente ser exercida. Nesse percurso, portanto, é preciso diálogo. “A relação não pode nunca ser impositiva, por nenhuma das partes. É preciso que haja equilíbrio, com o médico orientando e passando sua visão ao paciente e esse compreendendo e assumindo as suas escolhas”, finalizar Ayer.
Para se orientar nessa perspectiva, Silva coloca que o Código de Ética, os eventos científicos e éticos, as resoluções, pareceres e recomendações dos Conselhos Federal e Regionais de Medicina podem oferecer importantes oportunidades de reflexão.