Tido como algo comum na cultura brasileira, pedir indicação a amigos e familiares sobre qual medicamento tomar, ou até mesmo ir à farmácia sem receita médica e sair medicado, tornou-se cada vez mais comum com o passar dos anos. Essa atitude, que pode parecer inofensiva, pode trazer malefícios à saúde do paciente e contribuir para o aparecimento de novas doenças.
Para o psiquiatra Mario Louzã, um dos pontos mais perigosos é o fato de que, muitas vezes, as pessoas não sabem o que estão consumindo e confiam em opiniões de terceiros. “A pessoa chega à farmácia, queixa-se ao atendente, que então faz um diagnóstico e sugere um tratamento. A população parece se esquecer de que o funcionário não é, na maioria das vezes, um farmacêutico que pode pelo menos dar algumas orientações.”
De acordo com dados divulgados em 2015, pelo Sistema Nacional de Informações Tóxico Farmacológicas, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), entre 2008 e 2012, foram registrados cerca de 140 mil casos de intoxicação e 365 mortes causadas por medicamentos. “É comum as famílias terem a própria farmácia de remédios sem tarja em casa para aliviar uma dor de cabeça repentina, cortar a febre e diminuir sintomas de um resfriado. Infelizmente, as estatísticas só aumentam quando as pessoas pesquisam seus sintomas em sites de busca, como o Google, e acham que já têm um diagnóstico. Isso é sério e perigoso”, comenta o cirurgião geral e médico responsável pela clínica HCJ Especialidades Médicas, Giovani Moeckel Carvalho.
Potenciais riscos da automedicação
Todo medicamento foi projetado para atender certa necessidade. Porém, apenas os profissionais de saúde têm o conhecimento para associá-los às doenças, de forma a promover a cura ou tratamento. “A automedicação é uma preocupação mundial. Medicações tomadas sem o conhecimento do médico podem interagir com outros que a pessoa já utiliza. Tais interações medicamentosas podem ter graves consequências, potencialização de efeitos colaterais e reações peculiares da interação naquele paciente especificamente”, alerta Louzã.
“A cultura das vitaminas é um caso típico: na maioria das vezes não são necessárias, mas as pessoas as tomam com a suposta ideia de que isto as fará se sentirem melhor. O acesso às medicações vendidas em gôndolas e sem controle também é outra preocupação. Até poucos anos atrás, os antibióticos eram comprados sem receita médica, o que aumentava o risco de infecções se tornarem resistentes com seu uso indiscriminado. A nova legislação conteve, pelo menos em parte, tal problema”, complementa.
De acordo com Carvalho, paracetamol, dipirona e aspirina estão entre os medicamentos mais tomados sem prescrição médica. “A ingestão recorrente desses remédios pode aumentar a resistência de microrganismos e comprometer o resultado de um tratamento. Além disso, a automedicação pode agravar uma doença, uma vez que o uso incorreto – do tipo e da dose do remédio – pode esconder outros sintomas.”
O que fazer para mudar esta realidade?
Dificuldade em manter um acompanhamento médico adequado, se deparar com hospitais cheios e não ter acesso a planos de saúde faz com que cada vez mais pessoas recorram a medicamentos não prescritos. A mudança da cultura da automedicação começa dentro do consultório médico. Durante a consulta, é imprescindível informar ao paciente os males que a conduta pode acarretar e como isso prejudicará o tratamento.
“Os profissionais de saúde sempre que atendem o paciente, fazem as recomendações necessárias quanto ao uso de determinada medicação para o tratamento de uma doença. A mudança da cultura do brasileiro exige mais ainda. Requer a conscientização da sociedade como um todo de que tomar medicações é algo a ser feito sob orientação médica, não pela recomendação do vizinho, da tia ou da comadre”, ressalta Louzã.
Ele chama atenção ainda para as propagandas, comuns principalmente em canais de televisão, com regras que deveriam ser revistas. “Essas campanhas vendem o medicamento como sendo úteis para as mais diversas queixas. Ao final, a recomendação ‘se persistirem os sintomas o médico deve ser consultado’ parece chegar atrasada, depois que a propaganda vangloriou o medicamento. O médico deve ser consultado quando os sintomas surgem, não quando eles persistem, e muitas vezes essa demora em consultar o profissional prejudica o tratamento da doença”.