Uma tecnologia baseada em inteligência artificial, desenvolvida por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, pode ajudar médicos a identificarem casos de hanseníase. O assistente de diagnóstico, batizado de AI4Leprosy, indica a probabilidade da doença tendo como base fotos de lesões e dados clínicos dos pacientes.
Ele é resultado de uma parceria entre o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), a Microsoft e a Fundação Novartis, cujo estudo foi publicado na revista científica The Lancet Regional Health – Americas em maio deste ano. Nesse estudo foram empregados três modelos de inteligência artificial, testando imagens e metadados independentes ou em combinação.
No total, foram analisados 222 pacientes com hanseníase ou outras condições dermatológicas de um centro de referência brasileiro. E mais de 1.229 imagens de pele coletadas e 585 conjuntos de metadados armazenados em um conjunto de dados de código aberto para que outros pesquisadores possam explorar. A probabilidade de acerto ficou em mais de 90% dos casos analisados.
Segundo o estudo, os sinais clínicos mais relacionados com a doença foram: perda de sensibilidade térmica nas lesões, nódulos, pápulas (caroços) e parestesia (formigamento ou dormência). No entanto, a descamação superficial e prurido não foram associados à hanseníase.
“Nosso estudo prova que é possível chegar à suspeição do diagnóstico de hanseníase com um algoritmo de inteligência artificial. Essa ferramenta pode apoiar a decisão do médico de iniciar a investigação, acelerando a confirmação do diagnóstico e o início do tratamento, que é fundamental para interromper a transmissão da doença e prevenir sequelas”, afirmou pesquisador Milton Ozório Moraes, do Laboratório de Hanseníase da Fiocruz, em entrevista à CNN.
Os pesquisadores usaram no desenvolvimento do assistente virtual um algoritmo de reconhecimento de imagens que é utilizado no apoio a diagnósticos de melanoma, um tipo de câncer de pele. Essa tecnologia tem como princípio diferenciar sutis variações nas imagens.
Por ser uma doença que se manifesta de diversas formas, os cientistas adaptaram a metodologia e aumentaram a precisão do algoritmo para que a ferramenta tenha maior alcance.
À CNN, Paulo Thiago Souza Santos, doutor em oncologia com ênfase em bioinformática e um dos autores do estudo, explicou o que isso significa na prática.
“A inteligência artificial pode enxergar mais do que o olho humano. Para o computador, cada ponto da imagem é um bit, traduzido em um número. Uma pessoa sem treinamento pode não perceber a diferença entre duas cores muito próximas, mas quando o computador transforma essas cores em números, ele ‘vê’ uma diferença clara. É com base nisso que podemos treinar a máquina para tentar fazer um diagnóstico diferencial”.
Hanseníase no Brasil
Por ano, cerca de 200 mil novos casos de hanseníase são diagnosticados no mundo. E o Brasil é o segundo país com o maior número de novos casos de hanseníase no mundo, atrás apenas da Índia.
Dados preliminares do Ministério da Saúde, divulgados em janeiro, apontam que foram pelo menos 15.155 diagnósticos em 2021 – número um pouco menor que o registrado em 2020, de 17.979 casos.
A pandemia da covid-19, no entanto, atrapalhou o diagnóstico. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), houve uma queda global na detecção de novos casos – cerca de 37% a menos em 2020. Por aqui, a Sociedade Brasileira de Dermatologia estima que a redução foi de 35% em 2020 e de 45% em 2021, tendo como base o ano de 2019.
Tecnologia como aliada
Como o diagnóstico a hanseníase tem como base a realização do exame físico e clínico em conjunto, o processo automatizado poderá ser mais rápido. Em paralelo, a identificação tardia da doença pode levar a danos neurológicos irreversíveis e transmissão contínua para outras pessoas.
A descoberta envolvendo inteligência artificial pode, a longo prazo, contribuir para a eliminação global da hanseníase por auxiliar o profissional de saúde a fazer um diagnóstico mais rápido e preciso. Além dos dados clínicos dos pacientes, são utilizadas imagens das lesões coletadas seguindo um processo padronizado.
De acordo com a publicação oficial, estão sendo reunidos conjuntos de dados maiores, que incluem populações de diferentes tipos de pele e também imagens coletadas com câmeras de smartphones para “imitar as configurações do mundo real”.