Sempre que o tema da inovação surge, se pensa em aumento da eficiência. Se entende que uma nova tecnologia deve produzir mais com menos recursos. Mas nem sempre é assim. Uma nova solução tecnológica pode ser mais eficaz sem necessariamente reduzir custos.
É o caso da hepatite C, em que até pouco tempo atrás, a solução era uma terapia conjugada entre interferon e ribavirina que tinha uma eficácia limitada, até que surgiu o sofosbuvir – altamente eficaz, mas a um custo muito superior. É mais eficiente? Depende – se o parâmetro for a cura, sim. Mas, se pensarmos no impacto populacional, a efetividade diminui drasticamente, porque a capacidade de investimento é limitada. Assim, a terapia inicial podia ser oferecida a mais pacientes, mas com uma possibilidade de cura menor!
Com certeza não será essa a eficiência a se buscar.
Portanto, a inovação nem sempre implica em mais eficiência. Hoje, com a revolução da biotecnologia, já anunciada aqui, existem novas terapias baseadas em manipulação genética que curam enfermidades que não tinham tratamento a um custo praticamente insustentável. Mas salvam vidas – poucas, na maioria das vezes.
Por outro lado, as soluções que estão aparecendo em torno dos conceitos de Inteligência Artificial – IA e de big data, com certeza serão mais efetivas, gerarão impacto e serão mais eficientes trazendo o que se espera: mais resultados com menos gastos. Um exemplo claro da utilização da união dessas duas ferramentas é a emissão de laudos de tomografia – as máquinas alimentadas por um grande volume de diagnósticos conseguem produzir melhores diagnósticos a um custo muito menor que o dos laudos dos radiologistas. O efeito colateral aqui é o desemprego.
O debate que deve ser enfrentado é como avaliar as tecnologias que estão aparecendo muito rapidamente. Por que adotar uma nova tecnologia? Quando e como avaliar se ela produzirá um impacto na saúde populacional que indique que ela deve ser incorporada? E se ela deve ser incorporada, quais as consequências para a prática médica?
Um fenômeno que tem gerado muitas questões no mundo da assistência à saúde é o da sinistralidade e que pode ser muito rapidamente traduzido por consumo de ações e serviços de saúde. Mais consumo, mais sinistralidade e muito mais custos. Esse fenômeno é, junto com a explosão do aparecimento de inovações, o componente que tem gerado o descolamento entre a inflação médica e a inflação geral na economia. A inflação médica galopa numa velocidade muito maior do que a inflação geral. E a tendência é culpar a inovação como a responsável pela explosão dos custos.
Mas, quando se compara o Brasil e a Inglaterra, observa-se que o consumo de internações na rede da assistência privada brasileira em 2018, de acordo com dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), foi de 16% – ou seja, oito milhões de internações hospitalares. Se o processo assistencial ocorresse na Inglaterra com as regras do serviço de saúde inglês, esse número seria uma taxa de cerca de 9% – quase a metade. Muitas outras taxas de consumo poderiam ser citadas aqui à guisa do exemplo de sinistralidade, como consumo de exames, de medicamentos de alto custo, etc.
Portanto, existem pelo menos dois grandes obstáculos para conseguir tornar os processos assistenciais mais eficientes: como incorporar e como usar as novas tecnologias.
O encontro da epidemiologia com a economia vem gerando instrumentos muito interessantes para analisar o resultado do impacto de novas tecnologias. São ferramentas voltadas para analisar o custo/efetividade de uma inovação, medindo o resultado do investimento e transformado em anos de vida com qualidade após a incorporação. Essas ferramentas estão sendo criadas e aperfeiçoadas particularmente em lugares como Canadá, Inglaterra e países nórdicos.
Porém, de uma maneira geral, todas essas ferramentas determinam uma prescrição sobre o uso das novas tecnologias. Essas prescrições são protocolos e guidelines. São indicações de uso baseadas na observação do melhor resultado de uma tecnologia. E são elas que interferem na autonomia do profissional de saúde.
Existe um razoável acordo de que um conjunto de conhecimentos, hoje referido como Medicina Baseada em Evidências – MBE, deve orientar a melhor prática clínica. Existem evidências mais sólidas baseadas em meta-análises de dados oriundos de pesquisas clínicas que não deixam espaço para serem negadas.
Também não se pode imaginar que a MBE seja a bala de prata. No caso de doenças raras, é muito difícil conseguir um número de eventos que consiga construir uma evidência forte. Nesse caso, se tem que trabalhar com evidências que são frágeis, mas que podem oferecer uma oportunidade de cura ou controle de uma doença rara.
O uso das ferramentas de avaliação das inovações, invariavelmente, leva a uma redução da autonomia do médico. Serão éticas essas ferramentas na medida em que a responsabilidade final pelo resultado assistencial é do médico?
Hoje, existe um imenso consenso de que as práticas discutidas a partir do conhecimento gerado por pesquisas publicadas e submetidas a análise de pares representa o caminho das melhores práticas e são o comportamento ético a ser adotado pela medicina contemporânea.
A preocupação não é somente com eficiência, e sim com o impacto que o uso de recursos escassos tem na saúde das populações. A busca de novas tecnologias deve estar solidamente ancorada em instrumentos que busquem uma prática médica que entregue melhores resultados para a saúde de todos.