A palavra decoupling é utilizada no mercado financeiro para sinalizar uma dissociação ou descolamento do desempenho da atividade econômica entre países. Isso é exatamente o que acontecerá nesse semestre. Enquanto os EUA, Europa e China apresentarão bom desempenho, deveremos ter uma pequena retração no Brasil.
ATIVIDADE MUNDIAL FORTE EM 2021
A atividade mundial deverá apresentar forte crescimento nesse ano com o processo de vacinação e os enormes estímulos fiscais e monetários, especialmente nos países desenvolvidos.
Nos EUA, a imunização possibilitará o retorno gradual do convívio social e beneficiará o setor de serviços ao longo dos próximos trimestres. Além disso, o presidente Biden está trabalhando para aprovar mais um imenso pacote de estímulo fiscal. Assim, o PIB real deverá apresentar forte expansão acima de 6,0% neste ano.
Figura 1. EUA: PIB real em forte expansão.
Fonte: Bloomberg e Eduardo Yuki.
Na Europa, os governos estão fazendo esforços para acelerar a vacinação, e o Banco Central Europeu também deverá manter os estímulos extraordinários por muito tempo, o que sustentará a recuperação da região.
Na China, a atividade econômica segue robusta. O PIB real do quarto trimestre de 2020 ficou 6,5% acima do nível do quarto trimestre de 2019. O crescimento da demanda doméstica possibilitou que o volume de importações superasse o patamar anterior da crise.
O aumento do consumo nesses países estimulará as exportações dos países emergentes e beneficiará a atividade daqueles com maior abertura comercial.
DESCOLAMENTO DO BRASIL
Você já deve ter escutado que o Brasil é um dos países mais fechados do mundo, o que é absolutamente verdade. Dados do Banco Mundial mostram que o nosso comércio internacional foi de apenas 29% do PIB em 2019, substancialmente abaixo da média mundial em 60% do PIB.
A recuperação mundial ajudará nossas exportações, mas o impacto sobre a nossa atividade será modesto. Nosso desempenho depende majoritariamente da demanda doméstica (consumo das famílias, gasto do governo e investimento das empresas).
Nos próximos meses sofreremos o impacto de cinco fatores que pesarão sobre nossa demanda, a saber:
- Aperto fiscal: nosso governo precisará conter os gastos públicos para manter a solvência fiscal. Não existe capacidade financeira para estender o auxílio emergencial nos moldes do ano passado, o que prejudicará o poder de compra das famílias.
- Aperto monetário: o Banco Central do Brasil sinalizou no mês passado que pretende iniciar um ciclo de aumento da taxa de juros em breve. Aumento da taxa Selic elevará o custo de captação dos bancos e prejudicará o ciclo de crédito.
- Endividamento das famílias: a forte expansão do crédito no segundo semestre do ano passado aumentou o endividamento das famílias e, consequentemente, elevou o comprometimento de renda com serviço de dívida (Figura 2). Isso limitará a expansão da concessão de crédito.
- Choque de alimentação: o forte aumento dos preços de alimentos nos últimos meses reduziu o poder de compra das famílias. Para evitar uma redução significativa do padrão de consumo de alimentos, as pessoas deixam de consumir outros bens e serviços.
- Vacinação: nosso processo de vacinação ainda está cercado de incerteza. A lentidão na imunização prejudica a redução sustentada do isolamento social e o desempenho do setor de serviços.
Figura 2. Brasil: Elevado comprometimento de renda com serviço de dívida desacelerará a concessão de crédito.
Fonte: BCB e Eduardo Yuki.
Dessa forma, a atividade econômica deverá retrair nesse primeiro semestre. A esperança pela aceleração da vacinação em meados desse ano nos permite sonhar em uma recuperação no segundo semestre. O PIB real deverá crescer 3,0% em 2021.
Figura 3. Brasil: Retração da atividade nesse semestre.
Fonte: IBGE e Eduardo Yuki.
O desemprego permanece muito alta. A população ocupada estava em torno de 94 milhões antes da crise e, mesmo após uma recuperação nos últimos meses, voltou para 85 milhões em novembro (com ajuste sazonal). Isso significa que cerca de 9 milhões de pessoas que perderam emprego no auge da crise ainda não conseguiram recolocação profissional. Lembrando que no início do ano já havia 12 milhões de desempregados, estamos falando que 21 milhões de pessoas estão sem ocupação.
Essa elevada ociosidade no mercado de trabalho evitará pressão salarial relevante e ajudará a manter a inflação em torno de 3,5% em 2021 e 2022.
Apesar da perspectiva de retração da atividade no curto prazo, a tragédia social no mercado de trabalho e as projeções de inflação ao redor do centro da meta, o Banco Central do Brasil sinalizou que pretende iniciar um ciclo de alta da taxa Selic em março. Entendemos que, se realmente a autoridade monetária começar a normalizar a taxa de juros, isso será feito de forma muito gradual. Haja coragem!
Portanto, estamos iniciando um período de descolamento dos principais países do mundo com a nossa necessidade de ajustar o balanço das famílias e do governo. Prefiro realizar um ajuste agora, do que usar o cheque especial e empurrar os problemas para frente.