De acordo com o trabalho divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), os preços dos planos individuais subiram 382% em 18 anos, muito acima da inflação (IPCA), que subiu 208%. No mesmo trabalho, o Ipea aponta que os preços dos planos de saúde subiram bem mais no período que a renda média dos trabalhadores, como consta no gráfico a seguir.
Plano de saúde X renda do trabalho — Foto: Reprodução/Ipea
Essa variação é fruto da própria inflação da área da saúde, que é maior que a inflação geral na sociedade, mas, com certeza, também, é oriunda do que nesse setor se chama sinistralidade, ou seja, o consumo de serviços de saúde.
O consumo de serviços de saúde na assistência suplementar é muito superior ao do setor público (o que não é surpreendente, dadas as condições de funcionamento do SUS) e ao dos países da OCDE.
Um dos dados mais alarmantes diz respeito ao consumo de exames de ressonância magnética nuclear – o consumo na AMS brasileira é de 135 exames/1.000 beneficiários/ano, enquanto que, em média, a OCDE consome 40 exames/1.000 beneficiários/ano! Na Alemanha, esse indicador é de 22. Esse fenômeno pode ser visto também nas taxas de consumo de outros exames, no consumo de internações e de consultas médicas. Certamente, tal consumo não redunda em um cuidado melhor e pode, inclusive, gerar sobre o diagnóstico nefastas consequências.
A crise que o país está vivendo custou uma diminuição no número de segurados em menos de 1% (três milhões em 50 milhões de beneficiários). Pode ser uma perda pequena, mas o fenômeno não mensurável é o do downgrade, que redundou em recontratações de planos mais baratos, o que, em médio prazo, trará problemas de rejeição dos planos recontratados em comparação com os anteriores. Ou seja, em curto e médio prazo, agudizar-se-ão questões relativas à qualidade dos serviços prestados. E não se pode relevar o fato de que 82% dos planos contratados são coletivos e, portanto, oferecidos por empresas como parte da cesta de benefícios, mas isso se transforma em um custo a ser suportado pelas empresas, que vêm percebendo esse impacto em seu processo produtivo. A migração para planos mais baratos é um primeiro movimento.
A crise deslocou o modelo assistencial não para a busca de um modelo mais racional, mas sim para um mais barato – menos opções, mas ainda assim com relações de consumo ainda não controladas! Às vezes, com a introdução de co-pagamento, que é um fator positivo e deverá permitir uma discussão melhor para sua introdução mais universal. O copagamento é um importante componente para a gestão do acesso, pois o paciente/cliente passa a fazer parte da equação do consumo, mas este é apenas um componente a mais. Outros devem ser introduzidos – atenção primária, ações de promoção e proteção da saúde, regulação de acesso, organização de linhas de cuidado, usar a governança clínica, intensificar o uso de ferramentas digitais no cuidado, humanização da atenção, integralidade da atenção, etc. Na verdade, é preciso gerar uma intervenção sistêmica, e não pontual.
O conjunto de ações a serem desenvolvidas está voltado para aumentar a eficiência do sistema, assim, reduzindo a sinistralidade, por um lado, mas melhorando o cuidado, por outro. Não pode ser um movimento apenas preocupado com a eficiência, tem de ser preocupado, também, com melhorar o cuidado! A resultante do processo necessita ser, antes de tudo, um cliente mais satisfeito.
Então, é aí que entra a inovação. A grande maioria dos desafios aqui propostos não é processos estabelecidos. Em sua maior parte, eles são muito transformadores do modelo de atenção que se utiliza hoje e exigem um alto grau de envolvimento e de desenvolvimento de novos modelos de prestar serviços de saúde.
Talvez, um dos aspectos mais revolucionários diga respeito à gestão do processo de incorporação de tecnologia e do regramento de seu acesso de forma transparente e que seja claro, para os clientes, que não se trata de negar acesso, mas sim de, em benefício de todos, criar um modelo mais racional de acesso. A gestão do acesso à tecnologia é praticamente inexistente na rede privada – tudo é automaticamente incorporado a partir de sua introdução na TUSS, pela ANS, que o faz automaticamente. Não existe um processo de análise e muito menos de como regular o acesso (desenho de protocolos, por exemplo).
Também, há barreiras regulatórias, como no caso da telemedicina, da inteligência artificial, do uso mais intensivo da digitalização, mas o fato é que, sem a prática, não existirá uma regulação efetiva, somente, coerção, como ocorreu recentemente com a norma editada e cancelada pelo CFM em relação à telemedicina. Se os médicos não forem capazes de propor um modelo de uso dessas novas e incontornáveis ferramentas, não será um organismo burocrático e distante do processo de gerir a atenção que o fará.
Inovar é muito mais do que usar novas tecnologias, exige, também, um espírito preocupado com melhorar a relação com o cliente por meio de melhores entregas e, sobretudo, em saber conjugar inovação com eficiência.