O Brasil é o país que mais concentra casos de novas infecções pelo vírus da imunodeficiência humana, o HIV, na América Latina, correspondendo a 49% das novas infecções, segundo estimativas mais recentes do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/Aids (UNAIDS). Para efeitos de comparação, o México responde por 13% das novas infecções.
Além disso, a ONU apontou que os casos da infecção no Brasil aumentaram 3%, contrariando a tendência mundial. “No entanto, a elevação do índice de novas infecções no país pode ser considerada pequena, passando de 47 mil novos casos, em 2010, para 48 mil, em 2016”, afirma Renata Wanderley Beranger, infectologista do Hospital Samaritano Botafogo.
Apesar da ponderação, dados do último Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde mostram que o crescimento de Aids na juventude – de 15 a 24 anos – continua sendo uma preocupação. A faixa etária corresponde ao maior grupo de risco. Para que se tenha ideia, a taxa de detecção de casos de Aids entre jovens do sexo masculino com 15 a 19 anos quase que triplicou (de 2,4 para 6,9 casos por 100 mil habitantes) e, entre os jovens de 20 a 24 anos, a taxa mais do que dobrou (de 15,9 para 33,1 casos por 100 mil habitantes).
Preocupação com os jovens
Dentro dessa população, é preciso um cuidado especial com homens homossexuais e outros homens que fazem sexo com homens (HSH). “Enquanto as estimativas mostram que 0,39% da população geral esteja vivendo com HIV no Brasil, essa prevalência cresce para 10,5% entre esses homens”, diz Beranger. Outros dados apontam uma tendência de aumento na proporção de casos de Aids em HSHs nos últimos dez anos.
Existem diversas hipóteses que tentam explicar o aumento, sendo que a maior parte aponta para fatores comportamentais. “Tenho pacientes que se expõem à relação sexual desprotegida mesmo sabendo que o outro é HIV positivo. Eles têm a sensação de que aquilo nunca acontecerá com eles”, conta Ingrid Napoleão, infectologista da BP – A Beneficência Portuguesa de São Paulo.
A sensação de que nada acontecerá forma uma combinação perigosa com a falsa ideia de que a infecção não é tão grave, afinal, hoje existem medicações para melhorar a qualidade de vida do portador do vírus. “Possivelmente, essa parte da população não acompanhou a epidemia inicial do HIV e não vivenciou o expressivo número de mortes provocadas pela doença nesse período. Isso pode causar essa falsa impressão”, expõe Beranger.
Em suma, há desinteresse na prevenção. Por outro lado, também há desinformação – o que é um paradigma, visto que os jovens são os que, supostamente, mais têm acesso a informações. “Procuramos ler sobre o que nos interessa. Por isso, precisamos motivar os jovens a ler mais sobre o assunto. Infelizmente, isso só acontece quando eles veem uma pessoa próxima infectada, pois percebem como o HIV está próximo. Eles precisam entender que não é tão tranquilo assim viver com o vírus”, aponta Napoleão.
Além de jovens, especialmente HSHs, idosos também estão entre a população mais vulnerável ao HIV, assim como pessoas que usam drogas e profissionais do sexo.
Prevenir é o melhor remédio
Como ainda não há cura para a Aids, o foco deve ser em prevenção – e o papel do médico dentro do consultório é fundamental. Pensando nisso, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução Nº 2/2016, que orienta o profissional exatamente neste aspecto da comunicação, assim como sobre a realização de testes para detectar HIV, sífilis e hepatites B e C.
“Além de orientar o processo de realização dos exames laboratoriais adequados para a testagem, o paciente tem que ser aconselhado antes e depois da realização do teste, para que ele entenda todos os procedimentos a serem seguidos”, aconselha Beranger.
A conversa deve ter linguagem adequada e individualizada para que o paciente compreenda o que está sendo dito. Durante esse aconselhamento, o profissional deve passar confiança e manter sigilo sobre as conversas.
Acima de tudo, ele deve ser gentil e empático. “Já recebi pacientes reclamando da falta de gentileza de alguns profissionais. Por isso, se ele não se sente à vontade para dar aconselhamento, deve encaminhá-lo para quem possa dar. Não trate o assunto com preconceito ou como se fosse um mal menor, pois isso pode afastar o paciente de procurar o exame e, se precisar, tratamento”, enfatiza Napoleão.
Profilaxia Pós-exposição (PEP) e Profilaxia Pré-exposição (PrEP)
É dever dos profissionais de saúde saber quando adotar essas medicações. A PEP é uma forma de prevenir a infecção pelo HIV usando os medicamentos que fazem parte do tratamento do vírus e precisam ser tomados por 28 dias para tentar impedir a infecção pelo vírus.
Ela é indicada em casos de violência sexual, acidentes com materiais perfurocortantes – ou seja, objetos e instrumentos que contêm cantos, bordas, pontos ou protuberâncias rígidas e agudas, capazes de cortar ou perfurar – e exposição sexual consentida que represente risco. “Em caso de um possível contato com o vírus HIV, é necessário procurar um serviço de emergência rapidamente, pois o início das medicações deve ser imediato, idealmente até duas horas após a exposição e, no máximo, após 72 horas”, ensina Beranger.
Já a PrEP ao HIV é uma estratégia de prevenção que envolve a utilização de um medicamento antirretroviral (ARV) por pessoas não infectadas para reduzir o risco de aquisição do vírus por meio de relações sexuais. A função do ARV é bloquear o ciclo da multiplicação desse vírus, impedindo a infecção do organismo.
Ela é altamente indicada para casais sorodiscordantes – quando uma pessoa é soropositivo e a outra não – HSHs, transexuais, profissionais do sexo e pacientes com episódios recorrentes de infecções sexualmente transmissíveis (IST) e/ou grande uso de PEP. “Ela é segura para ser usada continuamente. Porém, não pode ser dada isoladamente. Junto à PrEP fazemos consultas regulares, aconselhamento, para que ela reflita sobre o motivo da exposição, e apresentamos outras formas de prevenção, como o uso do preservativo”, finaliza Napoleão.