Em meu primeiro artigo, afirmei que iria voltar a esse assunto e até fiz uma afirmação que acho importante clarear – submeter o objetivo principal a um secundário como forma de fracassar.
Para começar, a questão “onde buscar inovar?”. Se tomarmos as grandes economias mundiais, elas, de uma maneira geral, conseguem inovar em múltiplos setores – algumas como as maiores em praticamente todos os setores. Mesmo economias menores como Singapura (país de 5 milhões de habitantes) conseguem expressivos resultados em ramos industriais muito complexos como o naval, por exemplo.
Durante os anos de chumbo, o projeto nacional era esse – o Brasil deveria deixar de ser um importador de manufaturados e passar a ser exportador. A receita foi proibir importações e criar uma capacidade indutora do Estado via subsídios, criação de polos industriais com base na capacidade de consumo interno (o Brasil é um grande mercado), atrair grandes indústrias de fora do país e propor condições especiais para sua instalação no Brasil com muitas renúncias fiscais e outras formas de baratear o custo de produção. E, em troca, negociar sempre um determinado índice de nacionalização, ou seja, de produção de conteúdo local.
Tudo parecia encaixado, mas não estava. Faltava mão de obra especializada, faltava muito domínio sobre conhecimentos especializados devido aos anos de abandono da universidade, da produção de doutores. Faltava energia para mover as indústrias; não éramos autossuficientes em petróleo, por exemplo.
E o resultado foi um desastre – a década perdida e uma inflação desenfreada. A questão do conteúdo local é o exemplo mais acabado de se tomar um objetivo principal – ter uma atividade industrial no país – e submetê-la a um objetivo secundário – ter conteúdo nacional – não poder importar uma porcentagem do total usado na produção. A Embraer não produziria aviões se não pudesse se beneficiar das cadeias de produção mundiais. Se tivesse que produzir motores ou a eletrônica embarcada aqui não existiriam aviões brasileiros!
No entanto, o mais desastroso é na área de medicamentos onde vivemos o pior dos mundos. Com a criação da CEME – Central de Medicamentos –, incentivamos, no início dos anos 70, a criação de indústrias estatais de medicamentos e elas são, hoje, 21 produzindo medicamentos em fábricas que têm dificuldades em passar nas inspeções da Anvisa e cujos medicamentos, apesar das renúncias fiscais (que para a indústria privada significa 36% do custo final), possuem preços superiores aos das privadas, mas vendem ao setor público sem licitação devido à Lei n.º 8.666 das licitações não a exigir pois são empresas estatais!
Mas mais desastroso ainda foi o caso da empresa privada Biobrás, criada na década de 70, que conseguiu ser a nossa primeira empresa privada na área da biotecnologia, produzindo insulina de boa qualidade e tendo, inclusive, desenvolvido a insulina engenheirada. A Biobrás tinha como mercado o consumo do Ministério da Saúde (3% do mercado mundial dominado por três empresas). Como era privada, o governo tinha que licitar para comprar, e pasmem: como se deve garantir a isonomia nas condições de licitação, a Biobrás, que era nacional, tinha que agregar ao preço ofertado nas licitações o imposto de importação que suas concorrentes tinham que pagar por trazer o produto de fora do Brasil. Se ela não ganhasse a licitação, não venderia para ninguém! Resultado: uma das três empresas, a Novo Nordisk, comprou a Biobrás e a fechou! Hoje importamos insulina.
O que é tudo isso? Uma coleção de erros e talvez de corrupção. Além de ignorância, por manter indústrias ineficientes e jogar recursos pela janela.
Inovar é fundamental e aproveitar o nosso mercado é estratégico. No entanto, temos que ser competentes para propor políticas públicas e abandonar as ideias atrasadas do nacional desenvolvimentismo dos anos 50, que tenta atrelar a negação do lucro, criando estatais em vez de criar empresas privadas fortes e reguladas por órgãos modernos, e adequados incentivos realizados pela capacidade de indução do Estado e de apoio e fomento à geração de conhecimentos necessários ao PD&I.