Ela se tornou referência mundial em Coloproctologia ao desenvolver uma técnica de tratamento do câncer colorretal. A cirurgiã Angelita Habr-Gama acumula pelo menos meia centena de prêmios científicos, entre honrarias nacionais e internacionais.
A jornada profissional de sucesso foi traçada com muita determinação. Na década de 50, a jovem paraense ingressou na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), período em que as mulheres representavam apenas 10% dos alunos.
A partir daí, foi pioneira em diversas áreas da Medicina: a primeira mulher a fazer residência em Cirurgia Geral e Coloproctologia no Hospital das Clínicas da FMUSP e também a estagiar nessa especialidade no St. Mark’s Hospital, na Inglaterra, além de ter sido a primeira a chefiar o Departamento de Cirurgia da FMUSP.
A mesma fibra de médica, demonstra como paciente. Aos 88 anos, recuperou-se da infecção pela COVID-19, depois de 50 dias na UTI do Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo.
Dra. Angelita contou a sua incrível trajetória no livro Não, não é resposta, escrito pelo jornalista Ignácio de Loyola Brandão (Editora DBA, 2020). Os direitos comerciais foram cedidos à Associação Brasileira Prevenção do Câncer de Intestino (ABRAPRECI).
Neste Outubro Rosa, a renomada cirurgiã conversou com o blog Conexão Seguros Unimed.
Conexão SU: Por que a senhora escolheu a Medicina?
Dra. Angelita Gama: No início, não tinha certeza sobre minha vocação. Alguns colegas do curso secundário e do time de voleibol se encaminhavam para Medicina e me entusiasmei. Meus pais resistiram no primeiro momento, pois esperavam que eu seguisse o magistério, a exemplo de minhas irmãs. Insisti e prestei o vestibular. Eram mais de 600 inscritos para 80 vagas. Passei em oitavo lugar para meu orgulho e de minha família, pois tínhamos consciência da dificuldade que era o ingresso na Faculdade de Medicina da USP, como até hoje o é, por ser a mais concorrida, exigente, rigorosa. Além do mais, era adequada às posses de meus pais, por ser gratuita. Hoje, posso dizer que o exercício da medicina é meu ideal de vida.
Conexão SU: O que mudou desde sua formação e hoje, em relação à aceitação da presença de médicas no mercado de trabalho?
Dra. Angelita Gama: Quando ingressei na faculdade havia desequilíbrio numérico entre os gêneros, pois constituíamos menos de 10% dos alunos. Atualmente, porém, o número de ingressos é igual para os dois gêneros. Reconheço que o sucesso como profissional e especialista em Coloproctologia por mim alcançado tem influído no constante acréscimo proporcional de médicas que se destinam a esta área.
Conexão SU: Acha que hoje há dificuldade para as mulheres no mercado de saúde, de maneira geral?
Dra. Angelita Gama: Há muito ainda a progredir. No entanto, as mulheres já conquistaram muito e estão em igualdade de condições com os homens em quase todas as profissões. Seu trabalho é reconhecido e ela assume posições há até bem pouco tempo ocupadas exclusivamente por homens. Vários fatores têm possibilitado significativas mudanças na vida social e são frutos das conquistas femininas.
O progresso na igualdade entre os gêneros se manifesta não só nas atividades profissionais. A título de exemplo, saliento a repercussão criada pela redistribuição de funções equilibrada entre os gêneros na vivência familiar. A atenção com os filhos, o desempenho de todas as atividades domésticas em igualdade pelos homens com as tarefas antigamente destinadas às mulheres. Ao lado disso, as mulheres passaram a se responsabilizar por parte do orçamento familiar como fruto de seu trabalho. Isto se verifica na política, artes, educação, administração pública e privada, literatura, medicina etc. Acredito que atualmente não existem mais profissões exclusivamente masculinas. Acho que o mercado de trabalho na área da saúde será constituído, cada vez mais, por maior número de profissionais do sexo feminino.
Conexão SU: Quais conselhos daria para uma candidata a médica no Brasil?
Dra. Angelita Gama: Penso que todos desejamos um mundo em que as oportunidades estejam abertas para todos. O sucesso em qualquer profissão depende de dedicação, de esforço, de estar plenamente convicto de sua escolha. Como ouvi de um de meus mestres: “a Medicina é para ser exercida ou abandonada”. Suor é a chave do sucesso!
Cabe aos profissionais da saúde, como a todos os cidadãos, dedicarem esforços para que as pessoas possam viver livres de violência e propugnar que o Estado cumpra com suas obrigações quanto ao respeito e proteção dos direitos humanos de todos: homens, mulheres e crianças.