Em 1985 foi realizada a primeira colecistectomia por cirurgia laparoscópica. No Brasil, a primeira foi em 1990 e foi um sucesso. As videocirurgias em pouco tempo dominaram os mercados. São mais seguras, rápidas quando se tem um bom treinamento e o prognóstico sempre é muito melhor se comparado com a cirurgia aberta. Não conseguimos torná-la uma realidade para o SUS em toda a sua potencialidade, o que é desolador. Também na iniciativa privada ainda não ocupa uma posição totalmente dominante.
Mas os americanos, preocupados com o fato de viverem em guerra e não quererem expor seus cirurgiões a esses teatros, desenvolveram um novo tipo de cirurgia – a cirurgia robótica. Os princípios são semelhantes às de vídeo, porém as imagens são em 3D, os instrumentos são articulados e fazem curvas, a sensação tátil existe e o cirurgião, de novo, bem treinado, tem uma percepção tátil que a videocirurgia não oferece.
A diferença é muito grande em relação à performance das duas modalidades. A primeira cirurgia robótica foi também em 1985, porém o sistema ainda era muito limitado. Somente após o aparecimento do Sistema Da Vinci em 2000, ela partiu para escrever um novo capítulo na prática da cirurgia. No Brasil, a primeira cirurgia robótica ocorreu apenas em 2008.
Os cirurgiões mais velhos não conseguiram se adaptar aos novos desafios, e os jovens ganharam um aliado importante; a falta de destreza foi substituída pela capacidade da máquina e do jovem se complementarem com o aparato tecnológico. Nos EUA 90% das prostatectomias radicais são robóticas. A videocirurgia é pouco utilizada nessa cirurgia por exigir muito esforço do cirurgião. Assim, no Brasil, essa é uma cirurgia predominantemente realizada de forma aberta, com muito mais possibilidades de infectar, com uma permanência hospitalar muito maior e com muito mais sofrimento do paciente e com possibilidade de sequelas (incontinência urinária e impotência) muito maiores.
Mas por que essa discussão?
Durante a pandemia, os médicos israelenses enviavam à casa de seus pacientes diagnosticados com COVID-19 um kit composto por termômetro, auscultador eletrônico, esfigmomanômetro digital, e o paciente já tinha seu celular para seguir as orientações médicas, oferecer imagens de sua orofaringe, de suas mucosas e assim poder fazer um teleatendimento, do qual ainda poderia constar um ECG. Em um futuro muito próximo, o paciente deverá receber um transdutor e enviará ao médico uma ultrassonografia ou um ecocardiograma. Várias análises poderão ser feitas com gotas de sangue através de point of care domésticos (esses que no momento estão em consulta pública para irem para as farmácias).
E as escopias digestivas? Já existem as microcâmeras, ainda pouco resolutivas e sem comando, elas vão vagando pelo intestino. Mas já estão sendo desenvolvidos novos modelos que podem ser teleguiados e estão melhorando sua capacidade de prover imagens mais resolutivas.
A questão é que a modernidade bateu em nossa porta e não existirá resolução do CFM que dará conta de fechar essa cornucópia. É melhor, e isso fará a prática médica produzir melhores resultados para os nossos pacientes. Sempre reclamamos do tempo que gastamos com burocracias. Pois bem, vamos economizar com novos e mais interativos e amigáveis prontuários eletrônicos cerca de 30% a 40% do tempo que gastamos hoje. E com isso poderemos atender melhor nossos pacientes.
O uso da inteligência artificial junto com técnicas hoje denominadas de machine learning, ou seja, aprendizado de máquina, depende de volume de dados. Se oferecemos um volume alto de dados, no momento seguinte, a máquina fará as análises por nós. E nós? Se tudo isso oferece mais e melhores cuidados, nós termos que encontrar o caminho para oferecer mais valor ao paciente. Com certeza, isso tudo faz parte de uma revolução que não poderemos conter, que como outras pelas quais já passamos, trarão melhores práticas e resultados.
Temos que buscar saber o que vem pela frente e tratar de nos prepararmos para as próximas ondas. Os homens continuarão sendo imprescindíveis, porém fazendo diferente o que sabem fazer e este “o que fazer”, diz respeito a algo que as máquinas nunca farão – um atendimento mais humanizado. Será que esquecemos como fazê-lo?
Não podemos negar o conhecimento que transforma práticas assistenciais de forma a serem melhores os resultados que elas alcançam. E isto é o que o CFM no momento pré-epidemia tentou fazer com a telemedicina, ouvindo setores da medicina e de prestadores de serviço preocupados apenas com o seu nichozinho. A pandemia reordenou tudo.
Chega de fazer sangrias, existe uma prática médica que nós dominamos e se baseia na nossa capacidade de entender o que nosso paciente necessita – a nossa capacidade de escuta e de propor um plano terapêutico singular e dirigido para as suas necessidades e de acordo com suas capacidades.
Esse será o novo momento da medicina. Vamos construí-lo!