Dentro do que vimos ser discutido, esse é um tema bastante controverso. Nós, médicos, achamos que quem deve tomar essas decisões somos nós – para isso estudamos seis anos e fizemos uma residência torturante! Mas a medicina está ficando cada vez mais complexa e somente as nossas organizações (CRM, AMB e congêneres) não estão mais dando conta da tarefa.
Uma equipe de cirurgia cardíaca, que opera menos que 200 casos por ano, tem resultados piores que uma que executa um número maior de cirurgias. Uma equipe de transplantes tem que ter aprovação do Ministério da Saúde por essa mesma razão, mas somente a área de transplantes recebe essa ação regulatória do estado brasileiro.
Veja o caso da solicitação de Ressonância Magnética Nuclear. De acordo com dados da OCDE, a média de exames solicitados nos países que a compõe é de 44 exames/1 mil beneficiários ao ano. No Brasil, para os afiliados a planos de saúde, esse número é de 135 exames/1 mil beneficiários ao ano!
Certamente o resultado desse exagero é um custo exagerado e uma medicina de má qualidade. Com isso, não estou propondo uma prática engessada, mas temos que construir um caminho do meio.
Há mais de 30 anos, países como o Canadá e a Inglaterra fazem avaliação de tecnologias para permitir que sejam utilizadas em seus excelentes sistemas de saúde. Mas nos últimos dez anos, essa prática está se transformando devido ao aumento da abrangência dessa ação. Assim, o NICE – The National Institute for Health and Care Excellence, do NHS inglês, tem aumentado em muito a sua capacidade de interferir e permitir ou vetar o uso de novas tecnologias (medicamentos e equipamentos) no sistema inglês.
Existe uma preocupação com custos? Sim, mas ela é transparentemente secundária. Novos instrumentos de avaliação de tecnologias que cruzam dados de aumento da expectativa de vida, com qualidade desse aumento, como o QALYS (Quality Adjusted Life Year), têm sido largamente usados para orientar essas decisões. Portanto, o resultado é uma medicina melhor com custos mais adequados.
E no Brasil, o que ocorre? Hoje, temos um intenso processo de judicialização, o que beneficia em particular quem tem acesso ao Judiciário, mas cria um grande problema ao próprio Judiciário, que gastou, em 2017, R$ 7 bilhões do Sistema Único de Saúde (SUS) com resultados muito duvidosos.
Na verdade, esses gastos, somente no setor público, significaram cerca de 3% do gasto público total. Alguma dessas ações foram, com certeza, corretas e corrigiram injustiças, mas a maioria gerou apenas desigualdades.
No nosso próximo post, iremos trazer a realidade brasileira do processo de incorporação de tecnologias no setor público e privado e mostrar como vai o processo de judicialização. E vamos mostrar que existem muitas decisões a tomar para melhorar essas ações que interferem diretamente na prática da assistência à saúde. Até lá.