Zika, chikungunya e dengue: como se preparar para a tripla epidemia?

Em entrevista ao Portal Conexão Seguros Unimed, o especialista destaca que temos no Brasil um “caldo de cultura” nada favorável: população sem imunidade aos vírus, profissionais que ainda precisam de mais informações sobre diagnóstico e tratamentos e maior número de manifestações graves das doenças.

A boa notícia é que ainda é possível se preparar para o aumento de casos, comum no verão. Além disso, no último ano, o avanço nas pesquisas trouxe informações indispensáveis para a prática dos profissionais de saúde.

Veja abaixo os principais destaques da entrevista.

 

CONEXÃO – Que fatos relacionados à zika você considera os mais importantes do último ano? E onde precisamos avançar?

Valcler Fernandes – Podemos dizer que, de certa forma, tivemos uma organização bem sucedida do sistema de saúde para enfrentar a epidemia de zika em 2016. Houve uma mobilização do próprio sistema, dos médicos, de demais profissionais de saúde, da população, da mídia. Isso muito por causa da gravidade da situação, atingindo crianças, o que gerou muita sensibilidade das pessoas para a doença.

No final de 2015, havia ainda muitas dúvidas. Do ponto de vista científico, hoje podemos afirmar que a microcefalia é uma das consequências da infecção por zika em grávidas. Também já podemos dizer que a doença é transmitida sexualmente. Terminamos o ano com uma oferta importante de meios diagnósticos, com exames laboratoriais e um kit de diagnóstico molecular que diferencia dengue, chikungunya e zika. Houve também um grande avanço da pesquisa tanto brasileira quanto internacional.

Mas temos que avançar em outros pontos. Não sabemos ainda sobre a possibilidade de outras vias de transmissão por fluidos além da sexual. Também não sabemos quais outros fatores, além da infecção por zika, são determinantes para as alterações no sistema nervoso central.

 

CONEXÃO – Recentemente, seu colega na Fiocruz, Rivaldo Venâncio, afirmou que a epidemia de zika e chikungunya em 2017 seria ainda maior do que no ano anterior, e que os sistemas público e privado não estão preparados para isso. O senhor compartilha dessa visão? O que podemos esperar da zika e da chikungunya em 2017?

VF – As arboviroses, como dengue, zika e a chikungunya, têm se apresentado com um comportamento muito explosivo. Isso acontece por alguns fatores.

Primeiro, você tem o mosquito e uma população muito grande de pessoas suscetíveis e sem nenhum nível de imunidade aos vírus, principalmente no caso de zika e chikungunya.

Depois, no caso da chikungunya, a doença também tem se apresentado com maior gravidade do que vínhamos observando na literatura. O número de óbitos tem sido mais elevado, e o de complicações também. Há casos de dores nas articulações que permanecem durante muito tempo, inabilitando a pessoa para as atividades normais, além de causar um sofrimento enorme.

Por fim, o que acontece? Muitas vezes essa dor não está sendo tratada adequadamente, e aí vem a questão do preparo tanto do sistema público quanto do sistema privado para atender esses pacientes. Ainda são hipóteses e temos que falar com muito cuidado sobre isso, mas é possível que casos que se agravam e óbitos sejam causados pelo tratamento equivocado da doença, com anti-inflamatórios mal prescritos. E isso não porque o médico está tratando mal, mas porque ainda não sabemos qual é o melhor esquema de tratamento.

Esses fatores são um “caldo de cultura” para problemas: um número de pessoas suscetíveis alto, um grupo grande de profissionais de saúde que ainda não tem informação para o tratamento e doenças que se apresentam mais graves do que antes.

Infelizmente, em vigilância em saúde, temos que raciocinar com o pior que pode acontecer para estarmos preparados.

 

CONEXÃO – O que pode ser feito para evitar o pior cenário?

VF – Esse é o alerta: precisamos capacitar todos os profissionais de saúde para diferenciar as doenças e, mais do que diferenciar, tratá-las em sua gravidade. Dengue mata. Agora podemos dizer que, infelizmente, chikungunya também mata. Zika leva a alterações no sistema nervoso central e à síndrome de Guillain-Barré, que são todas situações muito graves. É preciso abordar essas arboviroses com uma capacidade diagnóstica e de acompanhamento do paciente muito melhor. Nós não estamos preparados, é preciso treinar.

Uma abordagem possível é fazer capacitações rápidas, de 10 ou 15 minutos, transmitindo as informações essenciais em plantões ou em grupos de profissionais. Você destaca o essencial, informações sobre diagnóstico e sinais de agravamento, e indica bibliografias para que todos possam se aprofundar. Nós tivemos uma abordagem como essa há algum tempo, chamada “dengue em 10 minutos”.

 

CONEXÃO – Como o médico pode se preparar para a epidemia?

VF – Os médicos devem ficar muito atentos aos sinais de alarme, a mudanças do padrão de febre, dores, desidratação do paciente. Esses sinais estão descritos nos protocolos do Ministério da Saúde.

O sinal de alarme não vai ser dado apenas pelo laboratório. O mais importante é o exame clínico, uma boa colheita da história, acompanhamento adequado e uma boa orientação para que o paciente volte rapidamente se necessário. O agravamento dos casos acontece muito rapidamente.

Na zika, é preciso ter atenção na orientação com as grávidas e aos sintomas da síndrome de Guillain-Barré, como fraqueza nas pernas. No caso da chikungunya, há uma sintomatologia cardíaca, casos de arritmia que levam a agravamento. É preciso também orientar o paciente quanto à medicação, para que ele não use anti-inflamatórios por conta própria, o que pode levar a lesões hepáticas ou renais e à piora da doença.

É muito importante também dar atenção especial a pacientes de grupos em que a doença pode se agravar mais facilmente, como idosos, crianças e pessoas que já tenham outras patologias, como diabetes, problemas cardíacos ou hepáticos.

 

CONEXÃO – No tratamento das arboviroses, principalmente zika e chikungunya, você envolve diversos profissionais, entre clínicos, especialistas e equipe multiprofissional. Pode-se dizer que essas doenças pressionam para mudança do modelo assistencial, que integre mais as especialidades e os profissionais de diferentes formações?

VF – Eu sou daqueles que defende a abordagem multidisciplinar para praticamente tudo. Mas, no cuidado com os pacientes nas arboviroses, elas praticamente nos obrigam a isso.

Ter uma boa orientação do farmacêutico sobre como usar os medicamentos, por exemplo, é algo que infelizmente não buscamos tanto no cotidiano, mas nas arboviroses há uma necessidade muito grande desse tipo de interação.

Em Feira de Santana (BA), por exemplo, em que há vários casos de chikungunya, muitos acupunturistas estão sendo mobilizados. As crianças afetadas pela zika, após o nascimento, precisam de acompanhamento para identificar algum tipo de alteração no sistema nervoso central e receber estimulação precoce, com fisioterapeutas. São recursos que temos que oferecer, o cuidado tem que estar nas mãos de todos.

 

CONEXÃO – A zika ganhou uma enorme atenção, ao mesmo tempo em que as notícias sobre a dengue passaram para um segundo plano. Em sua opinião, isso se justifica? Ou a atenção dada ao vírus zika prejudicou a atenção que se deve ter às demais doenças em que o mosquito Aedes é o vetor?

VF – De certa forma, nós fomos “atropelados” pela quantidade de informação. Foram muitos dados em um curto espaço de tempo, mas não considero que isso gerou desatenção.

No caso da clínica, é importante pensar nas três doenças juntas e ter um manejo integrado. Até porque, muitas vezes, não se consegue fazer logo o diagnóstico diferencial. Temos que pensar nas doenças com o raciocínio de arboviroses, uma doença chamando atenção para a outra. Esse é o grande desafio do começo de 2017.

 

CONEXÃO – Para concluir, que mensagem você gostaria de acrescentar para o leitor do CONEXÃO?

VF – É muito importante que os médicos busquem artigos científicos que têm sido publicados. Eles ajudam a olhar para essas doenças, que muitas vezes achamos que são simples. Todas elas se mostraram em um nível de complexidade muito grande.

Além disso, cada médico agora é um pesquisador. Foi como aconteceu no Rio Grande do Norte, na Paraíba e em Pernambuco: os profissionais de saúde perceberam que algo estava errado e logo comunicaram à vigilância epidemiológica.

O conhecimento pode ser produzido por todos, no modo como se olha para o paciente e se observa algo, um sinal para investigar, um novo conhecimento. O médico deve se ver também como um cientista, como um investigador.

Equipe Conexão

Equipe Conexão

A equipe do Conexão é formada pelos colaboradores do Marketing da Seguros Unimed em cooperação junto com a área de Comunicação e os parceiros Finanças Femininas e GPES(Centro de Especialidades em Comunicação e Marketing em Saúde).

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