A mamografia é um exame de rastreamento, ou seja, é usada para detectar precocemente câncer ou lesões que possam se tornar malignas. Outro exame de rastreamento é a glicemia, que mede a quantidade de açúcar e diagnostica diabetes. Existem milhares de exames que podem ser usados para detecção precoce de doenças, mas alguns são recomendados e outros não.
Por exemplo, não é recomendado que se faça, periodicamente, ressonância magnética para detecção precoce de câncer cerebral. Muita gente acha que o único motivo é o custo. Isso não é verdade. Na ciência, quase sempre, o lado financeiro é o último fator a ser considerado, mesmo com toda explosão do custo em saúde. O principal fator é a relação benefício versus risco. Para se aprovar a recomendação de um exame de rastreamento é necessário que ele passe por diversos testes muito semelhantes à aprovação de um novo medicamento. O estudo mais comum usado nesses testes é o ensaio clínico randomizado. Ou seja, uma parte das pessoas sorteadas faz o exame e a outra parte não faz, depois, analisa-se como cada uma evoluiu ao longo dos anos.
No caso dos medicamentos é preciso, sempre, avaliar, em cada pessoa, os riscos e os benefícios da intervenção, no caso, fazer mamografia. O potencial benefício é mais claro: detectar precocemente um câncer, tratar e mudar o roteiro, com isso, fazendo com que a mulher viva mais do que viveria se não tivesse feito a mamografia. Porém pouco se fala dos riscos que existem, e estes são, essencialmente, de três tipos:
- Falso-positivo: quando o exame detectou uma lesão e não havia nada de fato, o que só pode ser confirmado com exames mais invasivos, como biópsia.
- Sobrediagnóstico: há de fato a lesão, mas ela não avançaria; só é possível ter conhecimento da existência do sobrediagnóstico estatisticamente, ou seja, comparando pessoas que passaram ou não por rastreamento e a taxa de mortalidade; quando se detecta mais, mas a taxa de mortalidade não muda, o “excesso” de detecção é considerado sobrediagnóstico.
- Estresse emocional: é um desdobramento do falso-positivo, pois, por um período, até confirmar que não se trata de uma lesão importante, ou mesmo que não há nenhuma alteração, a pessoa passa por um período de desequilíbrio por vivenciar um suposto diagnóstico de uma doença grave.
Quando o exame é de fato recomendado? Quando o benefício supera o risco. Isso ocorre em poucas situações, pois exige algumas condições, tais como:
- Problema frequente.
- Exame suficientemente acurado para produzir pouco falso-positivo.
- Há tratamento disponível com alta taxa de sucesso.
- A pessoa aceita passar pelo tratamento caso seja diagnosticada.
- Os estudos mostraram que o benefício supera o risco.
Quanto menos frequente o problema, maior a chance de ter muito falso-positivo e de não valer a pena. Isso ocorre em mamografia antes dos 50 anos, por exemplo. A periodicidade, também, é outro fator muito difícil de decidir, dado que a quantidade de falso-positivo, ou seja, de risco, acumula-se. Há estudos que demonstram, por exemplo, que, se a mulher dos 50 aos 70 anos fizer mamografia mais do que a cada dois anos, a chance de ter um falso-positivo, ao longo desse período e no acumulado dos exames, passa de 50%. Por isso, a recomendação do Ministério da Saúde no Brasil, bem como da maioria dos organismos internacionais, é uma vez a cada 2 anos dos 50 aos 74 anos. Após os 74 anos, há menos estudos, sendo possível que também os riscos superem os benefícios, pois começa a existir uma chance de a pessoa morrer por outra causa, mesmo sendo portadora de pequenas lesões malignas, ou que o tratamento não mude o curso do problema, tornando-se mais prejudicial, se feito precocemente, do que benéfico. Ou seja, em cada faixa etária, o mesmo exame tem um efeito diverso.
Por fim, o autoexame tem mostrado, nos estudos, alta taxa de falso-positivo, assim, assustando desnecessariamente as mulheres. Portanto, passou a não ser mais recomendado de forma sistemática. Em vez disso, a recomendação é o autotoque, ou seja, que a mulher se conheça e toque-se de forma cotidiana, naturalmente, e não para procurar uma doença especificamente.
Para ilustrar, um centro de pesquisa que estuda comunicação de riscos elaborou o gráfico que mostra os riscos e benefícios da mamografia na mulher acima dos 50 anos.