O ministro Luis Felipe Salomão, do STJ, engalfinhou-se com um processo que resumidamente discute se o rol da ANS é para valer ou se o que vale é o registro do medicamento/produto na Anvisa, com vistas à sua cobertura financeira pelas operadoras de saúde.
Com certeza esta discussão é fundamental e, de diferentes formas, já foi abordada pelo legislativo e judiciário no país. Aqueles que têm acesso a planos de saúde creem ser fundamental ampliar seus direitos ao máximo, sem se preocupar com o que é o máximo e como esse patamar será coberto financeiramente. Por outro lado, as operadoras querem algum tipo de limite que permita uma cobertura mais razoável dos gastos gerados pelo acesso determinado pelo aparecimento de novas tecnologias e sua aprovação pela Anvisa.
Existe ainda, nesse mesmo âmbito, a discussão sobre as tecnologias ainda não avaliadas pela Anvisa – os brasileiros podem ter acesso a elas? A resposta legal é sim, mas como sua comercialização não está legalizada, a tecnologia não deverá ser passível de cobertura pelo SUS ou pela ANS. Embora, com alguma frequência, juízes de primeira instância deem ganho de causa para os reclamantes. Mas parece já bastante pacífico que sem aprovação na Anvisa o acesso não deve se tornar uma obrigação seja pelo SUS, seja pela ANS.
E aí retomo a questão do rol. Há até bem pouco tempo, o rol era uma lista de tecnologias disponíveis as quais as operadoras tinham que se comprometer a cobrir. De um ou dois anos para cá, a ANS tem discutido de forma mais inteligente a introdução de novas tecnologias no rol, uma vez que até então a sua entrada era automática. E o ministro Salomão, deu um parecer favorável a essa análise. Ou seja, o rol já não mais será fruto de algo meio automático e sim de um processo de análise, que pode aprovar ou não uma nova tecnologia para ser disponibilizada para os clientes dos planos de saúde. Aliás, no caso do SUS, essa etapa, que na ANS é a introdução no rol, é cumprida pela CONITEC. É dela a responsabilidade de avaliar uma tecnologia registrada pela Anvisa, que deverá ser coberta pelo SUS.
Aí reside o busílis – deve ser automática a introdução de novas tecnologias no rol pós-aprovação da Anvisa ou não, e de certa forma, a mesma pergunta vale para o SUS? Cabe a avaliação da tecnologia para somente após essa fase ela ser então disponibilizada aos clientes de um ou outro sistema de saúde?
Primeiro vamos analisar o papel da Anvisa. Para que serve sua aprovação no Brasil? Melhor iniciar deixando claro que nos países desenvolvidos essa é uma atividade que também ocorre. As agências de vigilância sanitária são responsáveis pela aprovação de uma nova tecnologia e essa avaliação visa saber se ela é segura, se produz o efeito descrito – se é eficaz e a população deve ter acesso a ela. Mas a análise não diz se essa tecnologia tem que ser adotada: ela é, antes de tudo, uma autorização de comercialização. E não uma prescrição. Nesse momento, entra em campo uma outra disciplina, a avaliação de tecnologia. É ela que vai verificar se essa tecnologia é superior às similares já existentes e ou se é inovadora, se deve ser incorporada, pois traz evidentes e comprováveis benefícios.
Hoje com alguma frequência, são aprovados medicamentos com base em estudos parciais devido à possibilidade de terem ação em uma enfermidade sem nenhum tipo de tratamento, esse é o chamado uso compassivo. Em todo o mundo, a avaliação de tecnologias para sua incorporação aos sistemas de atenção à saúde tem sempre um processo complexo que com frequência traz à tona discussões de cunho jurídico. Mas a incorporação não pode ser automática. Tem que ser realizada a avaliação da tecnologia e existem boas bases científicas para realizar tal análise.
A questão é que muitas enfermidades que não têm bons tratamentos disponíveis podem ganhar novas alternativas que médicos e mesmo pacientes venham a conhecer e gostariam de usar tentativamente. Porém, nesses casos, quando se trata de uma experimentação, não seria correto que todos pagassem por seu uso.
Eu creio que o ministro Salomão está certo em sua tese, mas para uma adequada posição, teríamos que entender melhor como a ciência funciona e propor novas tecnologias. Elas são fundamentais, devemos impulsionar o seu desenvolvimento e ao mesmo tempo saber como usá-las de maneira criteriosa, ou seja, baseando-se nas melhores evidências. E mais, seja para planos privados através do rol, ou da CONITEC para o SUS, o processo deveria ser único, pois hoje são dois processos, um muito rápido para compradores de plano de saúde e outro lento e subordinado ao humor do ministro da saúde, para o SUS.
Temos que ter o cuidado de não cair em novas aventuras do tipo “kit covid” e/ou fosfoetanolamina. Por isso é tão complexa a descoberta de novos tratamentos e sua incorporação também é difícil. Mas não incompreensível. Também temos que ter uma única forma de incorporar novas tecnologias. Se é uma boa solução, deve servir para todos.
Com certeza, ainda sobra uma discussão muito relevante que é: a tecnologia é segura, eficaz e, na avaliação de seu uso, a conclusão é que ela deve ser incorporada. A questão aí será: quem paga, como paga e como o descobridor será recompensado pela sua criatividade? A resposta sobre quem paga é mais rápida: será a sociedade, seja por meio de impostos, seja pela compra de planos de saúde. A questão da remuneração do detentor do conhecimento ainda não foi resolvida, é o capítulo do respeito às patentes.