Na Alemanha de 1818, nascia Friedrich Wilhelm Raiffeisen, o homem responsável pelo o que conhecemos como cooperativismo. Ele foi o fundador da primeira cooperativa de crédito rural do mundo, em 1864. O movimento surgiu após ele acompanhar o sofrimento do povo rural, que era frequentemente submetido a práticas abusivas de agiotagem.
Dois anos antes, ele já havia criado um ‘círculo de empréstimos’ e lançou, assim, as bases para a organização das cooperativas que levavam seu nome. Na época, Raiffeisen assumiu a tarefa de organizar as grandes necessidades econômicas da população de sua cidade natal – Hamm (Sieg), Província do Reno.
Raiffeisen foi capaz de promover uma mudança na comunidade com ações que já aconteciam há muitos anos. “Desde a antiguidade se tem notícias do modelo de cooperação. As principais mudanças a partir do estabelecimento oficial do mundo moderno foi a organização do sistema de trabalho em contraste com a substituição da mão de obra artesanal por máquinas, momento que coincide com a Revolução Industrial. Com a primeira organização em modo de cooperativa, o grupo ganhava em poder de negociação. A ideia deu tão certo que o modelo avançou, ganhou força e subsiste até hoje”, comenta o professor de contabilidade da IBE-FGV, Cleber Zanetti.
“A principal diferença entre uma empresa convencional e uma cooperativa é a ausência, nessa última, da ideia de lucro como sendo a finalidade da atividade econômica. Isso não significa que a cooperativa não terá algum ganho, mas significa que ela não se submeterá à lógica do lucro máximo, que rege outros tipos de negócios. Neste sentido, ela passa a ter uma perspectiva mais democrática, com preocupações sociais, questões ambientais, e não apenas preocupações econômicas”, pontua o especialista em cooperativismo e professor de Economia da IBE-FGV, Anderson Pellegrino.
O início de uma vida inspiradora
Sétimo de nove filhos, seu pai era fazendeiro e chegou a ser prefeito de uma cidade alemã durante um tempo. Raiffeisen deixou a escola aos 14 anos para receber aulas, durante três anos, de um pastor local. Em seguida, entrou nas forças armadas aos 17 anos. Porém, uma doença nos olhos o obrigou a deixar o exército em 1843, ano em que ingressou no serviço público.
Sua carreira política iniciou em 1845, ao ser nomeado prefeito de Weyerbusch. A cidade foi atormentada por uma grave crise econômica e de fome entre 1846 e 1848. No início da escassez de comida, Raiffeisen criou a Weyerbrusch Consumer Society com o objetivo de abastecer a população local com cereais e pães. Para isso, foi construída uma padaria cooperativa comunitária.
Entre 1948 e 1852, Raiffeisen foi prefeito de outra cidade, Flammersfeld, onde buscou compreender as necessidades de crédito dos agricultores e artesãos. Com ajuda da parcela mais rica da cidade, ele criou uma nova associação que ajudou pequenos agricultores a comprarem gado. A Flammersfeld Aid Society for Impecunious Farmers rapidamente evoluiu para uma sociedade de crédito. Assim, os agricultores poderiam pedir dinheiro emprestado a uma taxa reduzida. Depois de Flammersfeld, ele passou a administrar 33 municípios da região.
Consolidação dos princípios cooperativistas
Os municípios administrados por Raiffeisen seguiram os princípios instituídos por ele: responsabilidade ilimitada para membros, diretores voluntários, alocação de excedentes para uma reserva e área geográfica limitada. “Hoje, são sete os princípios do cooperativismo, de acordo com a Aliança Cooperativa Internacional. Entre eles, têm adesão livre e voluntária, participação econômica, intercooperação e interesse pela comunidade. Ou seja, o princípio do cooperativismo é um modelo democrático que prevê o ganha-ganha. Se implementado da forma correta, tende a ser um excelente modelo de gestão”, explica Zanetti.
Em 1852, Raiffeisen se tornou prefeito de Heddesdorf, uma cidade manufatureira. Por lá, fundou uma associação de caridade que, em 1862, tornou-se uma associação de empréstimos. Os depósitos de membros poderiam ser emprestados para outros membros. Surgia a primeira cooperativa de crédito rural, chamada Heddesdorf Darlehnkassen Verein. Ao longo dos anos, a instituição se tornou um banco cooperativo e, até dezembro de 2011, contava com 50 mil clientes, 20 mil associados, 20 pontos de atendimento e administrava cerca de 650 milhões de Euros.
“No campo da gestão, as cooperativas trouxeram importantes implicações no dia a dia dos gestores a maneira de conduzir as empresas. Uma delas é a ideia de gestão democrática do negócio. No caso da cooperativa, todos os membros participam da formulação de políticas e decisões na empresa. Ou seja, eles agem na figura de dono do negócio, e isso é algo muito revolucionário, já que você descentraliza o comando, o poder decisório no negócio”, ressalta Pellegrino .
Ensinamento perpetuados até os dias atuais
Aos 47 anos, em 1856, Raiffeisen se aposentou do serviço público por conta de problemas de saúde. Dois anos antes ele havia contraído tifo durante uma epidemia que matou sua esposa e, em 1865, ele ficou completamente cego. Ainda assim, continuou seu trabalho ao visitar comunidades rurais e países vizinhos da Alemanha. Em 1866, com o auxílio da filha, publicou um livro, o Loans Societies as a Means to Eliminate the Poverty Amongst the Rural Population and Urban Craftssmen and Workers, que delineia as instruções e os princípios da criação de cooperativas de crédito. Ele morreu em 11 de março de 1888, dias antes de completar 70 anos.
O ano de sua morte foi marcado pela expansão de bancos cooperativos pelo nordeste da França. As instituições financeiras Raiffeisenbank existem até hoje na Alemanha, Luxemburgo, Áustria e Suíça. Como legado, no ano de 1902 foi constituída a mais antiga cooperativa de crédito da América Latina. Sob a orientação do Padre Theodor Amstad, a cidade de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, guarda a Sicredi Pioneira RS, inspirada no modelo Raiffeisen.
