Marcado pela pandemia da Covid-19 e a crise econômica mundial, 2020 foi um ano histórico – palavra, inclusive, que ficou corriqueira dada a quantidade de eventos ocorridos. O ano vai chegando ao fim com milhares de vidas interrompidas pelo novo coronavírus e dados desastrosos na economia brasileira, mas que oferecem algumas projeções para 2021 e podem ajudar os médicos empreendedores a se preparar.
Após dois trimestres de queda no PIB (Produto Interno Bruto) – 1,5% no primeiro trimestre e 9,7% no segundo –, o Brasil entrou na chamada recessão técnica. No entanto, as projeções do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), considerado a prévia do PIB, indicam que a economia brasileira cresceu 9,47% no terceiro trimestre em comparação com os meses anteriores.
O PIB é utilizado para medir a evolução da economia, somando a produção de bens e serviços em determinado período no país. Com a prévia do IBC-Br, o Banco Central acredita que o Brasil tenha saído da recessão técnica. O resultado oficial, porém, deve ser divulgado no dia 3 de dezembro pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A justificativa para este possível resultado positivo, entre outros fatores, seria o auxílio emergencial e o programa de manutenção do emprego e renda do governo federal, segundo especialistas.
“O mercado ficou parcialmente congelado naqueles meses mais críticos, entre março, abril e até meados de junho. De julho, agosto em diante, com a flexibilização, o retorno de algumas atividades, a reabertura do comércio, shoppings e a retomada da produção, temos naturalmente uma volta de atendimento mais amplo à demanda que estava represada em função do isolamento social mais severo daquele período. É como se eu abrisse uma porteira que estava contendo a demanda, em especial na área de serviços e comércio”, explica Anderson Pellegrino, professor de economia na IBE Conveniada FGV.
No relatório Focus divulgado em 30 de novembro, os economistas do mercado financeiro diminuíram a sua estimativa de encolhimento do PIB brasileiro de 4,55% para 4,50%. A publicação realizada pelo Banco Central e divulgada semanalmente ouviu mais de 100 instituições financeiras na semana passada.
Apesar do otimismo do Banco Central, os economistas são cautelosos em afirmar que se trata realmente de uma retomada econômica robusta. Isso porque a pandemia da Covid-19 não tem data para acabar e o auxílio emergencial, que impulsionou o consumo, deve terminar em dezembro, de acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes.
Além disso, a taxa de desemprego no Brasil cresce a passos largos e chegou a 14,6% no terceiro trimestre de 2020, atingindo 14,1 milhões de pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), do IBGE.
A taxa representa uma alta de 1,3 ponto percentual na comparação com o trimestre anterior (13,3%).
“Eu sou muito cauteloso, eu diria que nós temos elementos de recuperação econômica, mas o grande ponto para que ela ganhe força e se apresente revertendo por completo a recessão ainda é, ao meu ver, o próprio sucesso no combate à pandemia”, avalia Pellegrino.
Na análise do economista e empresário Igor Lucena, se tivermos uma interrupção abrupta do auxílio emergencial haverá uma queda da retomada com aprofundamento da crise em alguns setores, como serviços e a paralisação de outros que retomaram as atividades, como a construção civil.
“Eu defendo que se for possível manter o auxílio emergencial por mais três meses, seria ideal, pois este seria o período efetivo para que a vacina fique pronta para distribuição e a logística também, poderíamos ter uma retomada consistente no último trimestre deste ano e continuar no primeiro trimestre de 2021”, afirma Lucena.
Dados do Índice de Confiança Empresarial (ICE), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), mostram recuo de 1,5 ponto em novembro, para 95,6 pontos em todos os setores, com exceção da indústria.
Em comunicado à imprensa, Aloisio Campelo Jr., superintendente de estatísticas da FGV IBRE, destacou que a redução no setor de serviços foi de 85 pontos, nível muito abaixo em termos históricos. “Ao que parece, enquanto não surgir uma solução definitiva como seria o caso de uma bem-sucedida vacinação em massa, a economia seguirá em risco de desaceleração e com comportamentos muito heterogêneos entre os setores”, pondera.
O indicador unifica os níveis de confiança de quatro setores da economia: indústria, serviços, comércio e construção.
Diante desta incerteza, Lucena recomenda que os médicos empreendedores controlem os gastos e mantenham-se em alerta. “Até o primeiro trimestre de 2021 nós temos que analisar a situação dia a dia, porque pode ser que uma cidade ou outra entre em fechamento lockdown e isso os prejudique do ponto de vista econômico”, diz.

Crise econômica brasileira e o aumento da dívida pública
Outro dado que também preocupa é o crescimento da dívida pública brasileira, que alcançou 90,7% do PIB em outubro, segundo as estatísticas do Banco Central. A alta começou em janeiro, mas acelerou com a crise econômica causada pela pandemia da Covid-19 e os gastos extras para amenizar os impactos na vida dos brasileiros.
Ainda assim, quando defende a manutenção do auxílio emergencial, Lucena diz que é preciso analisar dois cenários: um de curto e outro de longo prazo. No primeiro é necessário manter a economia funcionando e garantir a sobrevivência das pessoas até que a vacina seja distribuída.
“Acho que uma maneira seria o corte parcial de subsídios na agricultura e minérios, por exemplo, que poderia abrir espaço fiscal. O problema maior é quando você sinaliza aos investidores que o Brasil estaria perdendo o controle fiscal”, afirma. Para tranquilizar os investidores, o economista destaca a importância de aprovar as reformas que ficaram pendentes, como a tributária e administrativa.
“Se fazemos gastos emergenciais ao mesmo tempo em que aprovamos reformas, sinalizamos para o mercado que no curto prazo estamos resolvendo o problema da saúde pública, mas no longo prazo a dívida pública vai cair, porque essas reformas vão ter impacto no futuro. Tem um gasto emergencial agora, mas também mostra que o Brasil não perdeu o controle fiscal e isso é o mais importante. A gente precisa fazer essas reformas e manter o auxílio, caso contrário a nossa economia vai desabar no primeiro semestre de 2021”, justifica.
Lucena e Pellegrino, no entanto, não defendem que o governo deve extrapolar o teto de gastos – criado pela Emenda Constitucional 95 em 2016 e que estabelece o limite de despesas no orçamento público de acordo com a inflação –, como já foi mencionado por outros economistas e tem gerado preocupação no mercado.
Atualmente, a União está bancando todas as ações emergenciais para combater a pandemia do novo coronavírus com o Orçamento de Guerra, que possui uma verba extraordinária de R$ 574,9 bilhões até o final do ano. A ação só foi possível com a aprovação do decreto de calamidade pública válido até o dia 31 de dezembro.
“Essa pandemia vai continuar até primeiro trimestre ou segundo de 2021, então não vejo porque não ampliar o orçamento de guerra pelo menos mais três ou seis meses. Não é pela vontade política que o vírus vai se mover, mas sim pela nossa capacidade de enfrentá-lo, ter as vacinas prontas para distribuição e vacinação em massa. Porém, eu não acho que o teto de gastos deve ser alterado”, afirma Lucena.
Dólar em alta: como driblar a subida da moeda norte-americana?
A escalada do dólar é um assunto recorrente e que preocupa os médicos empreendedores que utilizam recursos, equipamentos e insumos importados. Embora tenha encerrado novembro com baixa de 6,82%, a maior queda mensal desde de outubro de 2018 (-7,79%), ainda assim a moeda norte-americana acumula alta de 33,34% no ano.
Existem alguns fatores para explicar os motivos dessa alta, mas antes é importante observar que o real desvalorizou muito em relação ao dólar. De acordo com dados da Reuters, a moeda norte-americana acumula alta de 40% em comparação à brasileira em 2020 – maior queda em uma lista com 30 países – e isso está relacionado à crise global que vivemos.
“Como toda crise internacional, é muito comum que todos os grandes investidores estrangeiros repensem o direcionamento dos seus investimentos, quer dizer, avaliem a ida para países emergentes e ao mesmo tempo pensem em tirar o dinheiro do país emergente para deixar em lugares onde eles entendem que existe mais segurança, como países desenvolvidos e títulos públicos americanos”, explica Pellegrino.
O Brasil, segundo o professor de economia, já estava nesse rol de países emergentes e por isso deixou de receber investimento estrangeiro e perdeu o capital que já tinha sido investido. Outro ponto que tornou o país menos atraente para os investidores é a taxa Selic em 2%.
“Tudo isso gerou um impacto direto sobre o mercado de câmbio. Começa a ficar com muito Real em circulação e pouco Dólar, resultando em um dólar na casa dos R$ 5, R$5,20 e o real vai perdendo valor”, diz.
Para quem depende de produtos e insumos importados é realmente complicado driblar a alta do Dólar, entretanto uma solução para os gestores de clínicas é procurar fornecedores em larga escala e importadores que negociem os preços, segundo Pellegrino.
“Hoje existem ferramentas no mercado financeiro, como os contratos cambiais, que possibilitam fechar um valor e ter proteção de que o preço não vai oscilar por um período. São ferramentas que podem amenizar o problema para quem trabalha com comércio exterior”, recomenda.