Agregar às novas tecnologias aquilo que temos de mais humano para desenvolver uma efetiva política de segurança e qualidade no sistema de saúde. Com esse pensamento e muita emoção, Peter Lachman, CEO da Sociedade Internacional de Qualidade em Cuidados com a Saúde (ISQua) fala sobre os principais desafios que o setor enfrentará nos próximos 10 anos frente à reforma do Estado. Ele abriu, nesta quinta-feira (24), o segundo dia do Congresso Internacional de Serviços de Saúde (CISS), evento que acontece durante a Hospitalar, no Expo Center Norte, em São Paulo.
“As novas tecnologias podem aprimorar processos, mas não consigo ver um robô que ofereça compaixão. Eu, como médico, agrego compaixão, empatia. E isso não há tecnologia que substitua“, afirmou o irlandês, que é pediatra. A ISQua, organização a qual coordena, atua em mais de 100 países, nos cinco continentes, com a missão de aprimorar a qualidade e os cuidados de saúde por meio de educação, pesquisa, colaboração e disseminação do conhecimento.
Ao listar as 10 prioridades para o alinhamento da qualidade dos serviços da saúde, Lachman afirma que é essencial ter uma visão sistêmica para que os benefícios sejam absorvidos por todos os players envolvidos. Para ele, a primeira prioridade é pensar na pessoa, no ser humano, como centro dos tratamentos de saúde, e não no “paciente”. “Precisamos parar de padronizar e passar a personalizar os atendimentos, construir uma equidade no atendimento dentro da sociedade. E isso requer a construção de parcerias, derrubar barreiras como tradição, arrogância, silos e diferenças culturais.”
Segundo ele, é preciso pensar a saúde usando a ciência da complexidade. “Estamos focando errado. Há tempos que nosso foco está no tratamento da doença e não na saúde“, afirmou, citando as grandes redes de fast-foodque estariam levando a cultura gastronômica da obesidade para países como a China.
Citando dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), Lachman elencou o desperdício na assistência de saúde como terceiro tema que merece a atenção do sistema healthcare nos próximos anos. Segundo ele, entre 20% e 40% dos gastos se perdem com erros médicos ou de diagnóstico, por exemplo.
“Estamos vendo isso em todo o mundo: o custo do fracasso é sempre maior que o custo da intervenção. O Brasil não precisa, necessariamente, aumentar os investimentos em saúde, e sim, saber como fazer esse investimento. Gastar mais não significa melhores resultados.”
Desenvolver uma política e estratégias nos processos de saúde, seguindo passos já estudados e propostos pela OMS, é a quarta prioridade, que está ligada intimamente ao quinto desafio proposto por Lachman: gerenciar os cuidados com a saúde como um sistema. “Se você tiver um Audi e um dos sistemas não funciona, você tem um carro lindo e inútil. Precisamos pensar assim em relação à saúde, em um sistema interligado que precisa estar alinhado.”
Reformas e saúde pública
Para Lachman, as reformas no sistema precisam se concentrar na segurança do paciente como um problema de saúde pública, buscando a perfeição e aceitando erros, porém minimizando seus impactos. “A segurança é a capacidade de um sistema para sustentar as operações necessárias sob condições esperadas e inesperadas. É o que devemos fazer todos os dias. Não é uma opção, é a questão principal“.
Reforçando a sinergia que deve nortear essas reformas, o CEO da ISQua ressaltou o entendimento do contexto, das diferenças culturais, para construir uma política de qualidade e segurança – a sétima prioridade. E, compreendendo essas diferenças, desenvolver um controle de qualidade em tempo real. “Os dados precisam ser transparentes e acessíveis de forma segura ao sistema todo, de forma que acompanhe a mobilidade dos tempos atuais“, disse.
E todo esse trabalho tem um objetivo: fazer com que a qualidade se torne um hábito, que seja parte do dia a dia do sistema de healthcare – “e não apenas quando há vistorias da certificação ou fiscalização”. “É preciso treinar estudantes de medicina e enfermagem a construírem bons hábitos e a terem resiliência, criatividade e a pensarem no sistema de saúde. Sou pediatra e trabalho em um hospital com diversos silos e cada silo pensa somente em si. Precisamos pensar de forma sistêmica.”
Para finalizar, Lachman elencou como 10º prioridade – e não menos importante – que a inovação deve se focar na qualidade. “A maior revolução está nos smartphones. Aqui nós temos o empoderamento de todo o sistema. E, para um futuro melhor, devemos focar na qualidade desses aplicativos“, afirmou o irlandês.
Uberização da saúde
Monica Monteiro de Casto, consultora independente e sócia-proprietária da empresa Innovare Consultoria e Treinamento, que participou da mesa com Lachman, ressaltou a importância de se pensar o que está sendo chamado de “uberização” da saúde. “Fiquei em dúvida em usar o termo, mas já foi assumido pelo nosso CRM (Conselho Regional de Medicina)” afirmou.
Falando dos desafios da reforma do Estado e da saúde e seus impactos no setor de medicina laboratorial e diagnóstica, Monica apresentou dados e cases e fez uma avaliação do cenário atual com o avanço da inteligência artificial e do Big Data, que gera um volume cada vez maior de informações. “Se não nos prepararmos para isso, vamos nos afogar nessa onda, nesse tsunami.”
Na mesma mesa de debate, Carlos Hugo Martinez Martinez, diretor médico e gerente da ASISA Dental e do Grupo Hospitalar HLA, de Madrid, traçou um cenário sobre as transformações da rede de saúde na Espanha e afirmou que é preciso inverter as prioridades para manter a sustentabilidade do sistema. “É preciso promover a saúde preventiva. Além disso, o Estado deve buscar cada vez mais parcerias privadas para redução de custos. Hoje, um hospital público custa 30 vezes mais que uma estrutura privada“, disse.
