O protagonismo da tecnologia na pandemia é inquestionável. Embora cada vez mais idosos estejam familiarizados com recursos tecnológicos, a adesão à telemedicina dessa fatia da população está muito relacionada ao uso, orientação e transmissão de confiança na plataforma por meio de seus médicos.
“O papel do médico neste século deverá mudar consideravelmente”, diz Guilherme S. Hummel, coordenador científico do HIMSS@Hospitalar Forum e head-mentor do eHealth Mentor Institute (EMI). “A principal mudança na atribuição funcional do médico será adicionar à sua responsabilidade assistencial e curadora um posicionamento cada vez mais de educador.”
Para Hummel, a melhor ferramenta de convencimento do uso da tecnologia é a prática. “Quando estamos em guerra aprendemos coisas que dificilmente aprenderíamos em situação de paz. A consulta remota emerge para muitos pacientes como uma esperança de continuidade de tratamento”, afirma.
Veja a conversa completa do Conexão Seguros Unimed com o expert em tecnologia e inovação a respeito de telemedicina, relação médico-paciente e outros aspectos do atual e disruptivo cenário da saúde.
Conexão: Os idosos estão no radar das plataformas de telemedicina?
Guilherme Hummel: Indivíduos longevos (65+) e pacientes crônicos tornaram-se grupos-alvo das plataformas de telehealth, como o telemonitoramento. Elas permitirão cada vez mais que idosos vivam no ambiente de sua escolha, sem necessariamente serem levados precocemente a casas de repouso ou perderem a sua individualidade dentro dos ambientes familiares.
Conexão: Como o médico pode ajudar na inclusão tecnológica dos pacientes, em qualquer idade?
Guilherme Hummel: Se pensarmos só no primary care, onde essa transformação será muito mais rápida, caberá ao médico ascender em suas funções e, necessariamente, habilitar, educar e incluir o paciente na gestão do autocuidado. Assim, o médico precisará, acima de tudo, ser um indutor e um facilitador. Esse será o cerne de sua atuação: ajudar a modelar um novo perfil de paciente.
Conexão: Qual é a tendência no cenário de telehealth para o público idoso?
Guilherme Hummel: O próximo passo será customizar as funcionalidades das plataformas às necessidades e preferências dos idosos. Todavia, é importante separar aqueles que hoje já têm 70+, daqueles que só chegarão a essa escala em uma ou duas décadas.
Para os atuais, sempre haverá dificuldade de habilitação, como foi aprender a usar o smartphone. Mas para os demais, que vão ascender a essa idade nos próximos dez ou quinze anos, a transformação será natural, orgânica e, possivelmente, compulsória.

Conexão: Ainda há bastante resistência com a telemedicina tanto por parte de médicos, como por pacientes. Essa contestação tende a diminuir?
Guilherme Hummel: Em menos de cinco anos, o ‘acesso à telemedicina’ será o principal item que pesará na escolha de um plano de saúde, de um hospital ou de um médico.
Para se ter ideia, em fevereiro de 2020, nos Estados Unidos, perto de 1% das consultas do primary care eram realizadas através da telemedicina; em abril esse número já era de 43,5%.
Em outras palavras, telehealth vai redefinir como a cadeia de saúde operava antes da COVID-19. Trata-se da mais ampla transformação da relação entre o médico e o paciente desde o advento do telefone, ou da criação dos sistemas públicos universais de saúde.
Conexão: Críticas à telemedicina relacionam-se à perda de qualidade assistencial e insegurança com a privacidade de informações, entre outras. Como vê essas questões?
Guilherme Hummel: É necessário existirem visões contrárias quando estamos diante de elementos disruptivos. Nem tudo será fácil, ou útil, ou completo. Telehealth exige muito, transpassa caminhos culturais complexos, cria abismos comportamentais e antes de gerar empregabilidade, gera desemprego. Só o tempo fará essas barreiras serem ultrapassadas.
Mas não há dúvidas: as ferramentas de digital health serão um fator nuclear na ascendência das curvas de expectativa de vida neste século. Está germinando uma fascinante esperança para as gerações futuras de longevos. Parafraseando Vitor Hugo e redefinindo a lógica do que vem pela frente: se 60+ anos é velhice para a juventude, 70+ será cada vez mais juventude para a velhice.
Conexão: A telemedicina pode suprir a demandas por atendimento?
Guilherme Hummel: As necessidades de atendimento são muito maiores do que a oferta da cadeia de serviços médicos, e o avanço de digital health é também explicado por essa demanda assistencial. A telemedicina fará com que o médico deixe de ser um “bem” precioso, raro e distante dos pacientes.
Em um mundo com quase 8 bilhões de indivíduos e um déficit abissal de profissionais, a saúde precisa de novos elementos para se contrapor ao império das doenças – a OMS estima uma necessidade superior a 7,5 milhões de profissionais de saúde no curto prazo. Assim, não existe um condão mágico: médicos não conseguirão sozinhos prover assistência sanitária para a demanda atual e futura. Em parte, esse déficit explica a atávica e constante ascensão dos custos da saúde de todos os países.