Uma das grandes promessas do governo Bolsonaro foi tocar a reforma da Previdência. A proposta, no entanto, já sofreu diversas alterações e causou mal-estar entre ministros e parlamentares da base do governo e oposição. O mais recente está relacionado ao tratamento direcionado aos militares – incluindo Forças Armadas, policiais e bombeiros militares –, cuja proposta foi apresentada pelo governo no dia 20 de março.
Diante de tantas conversas paralelas, fica difícil para o cidadão comum entender o que está, de fato, acontecendo. “Basicamente, se o projeto for aprovado, quem começar a trabalhar agora teria que cumprir a idade mínima e o tempo de contribuição”, resume Ahmed Khatib, professor da pós-graduação em Gestão de Riscos e Compliance da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (Fecap).
Aqueles que já estão no mercado de trabalho poderão entrar nas regras de transição – para os que já estão aposentados, nada muda. “A ideia do atual governo é aprovar a reforma ainda em 2019”, completa.
O que muda na reforma da Previdência?
Uma das principais alterações está na idade mínima para se aposentar. “Para trabalhadores da iniciativa privada e servidores, a idade mínima inicial será de 61 anos para homens e de 56 anos para mulheres. Elas começarão a subir seis meses a cada ano, a partir da aprovação da reforma, até chegar a 65 anos para eles e 62 anos para elas”, explica o coordenador de Cursos da Faculdade Fipecafi, Valdir Domeneghetti.
Ele cita outras mudanças:
Cálculo do benefício: “O benefício será de 60% para aqueles que cumprirem o mínimo de 20 anos de contribuição. A partir daí, a cada ano são acrescentados 2%. Logo, a integralidade do benefício só se dará após 40 anos de contribuição. No futuro, quem contribuir mais de 40 anos poderá receber mais de 100%”.
Sistema de capitalização: “Não terá implementação imediata, ficará pendente de lei complementar. Será um sistema alternativo para quem ingressar no mercado de trabalho depois que a lei complementar for aprovada”.
Servidores dos estados e do DF: “As novas regras de benefício para o regime próprio valem para estados, municípios e Distrito Federal. A alteração em alíquotas precisa de aprovação das assembleias estaduais, câmaras municipais e Câmara Legislativa do DF, sendo que estados, municípios e o DF, caso registrem déficit financeiro e atuarial, deverão ampliar suas alíquotas para no mínimo 14%, em um prazo de 180 dias”.
Pensão por morte: “Hoje, o beneficiário na iniciativa privada recebe 100% do benefício, respeitando o teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). A proposta sugere 60% + 10% por dependente adicional. Ou seja, se houver apenas um dependente, receberá 60%. Em caso de morte por acidente do trabalho, doenças profissionais e doenças do trabalho, aplica-se 100%. Quem já recebe pensão não terá seu direito modificado”.
Acúmulo de benefícios: “Atualmente é permitida a acumulação de diferentes tipos e regimes: pensão e aposentadoria; regime geral e regime próprio. A proposta quer limitar a 100% de um benefício mais uma porcentagem da soma dos demais, variando conforme o valor, de forma que o segundo benefício seja no máximo de dois salários mínimos”.
Desoneração: “O empregador não precisará mais pagar a multa de 40% sobre o FGTS quando o empregado já estiver aposentado. As empresas também não precisarão mais que recolher FGTS dos empregados já aposentados”.
Regras de transição para a “nova Previdência”
Com o fim da aposentadoria por tempo de serviço – restando apenas aquela por idade –, haverá um período com regras de transição. Serão três possibilidades, cabendo aos trabalhadores escolher a mais vantajosa:
1) Sistema de pontos: soma do tempo de contribuição + idade. “Em 2019, caso a proposta seja aprovada, homens precisarão de 96 pontos; as mulheres, de 86. Em 2033, ao fim da transição, os homens precisarão de 105 pontos, e as mulheres de 100. Mas é preciso respeitar a contribuição mínima de 35 anos para eles e 30 para elas”, diz Domeneghetti.
2) Idade mínima: começa aos 56 anos (mulheres) e 61 anos (homens). “A cada ano, a idade subiria seis meses, até atingir 62 anos (mulheres), em 2031, e 65 anos (homens), em 2027. O tempo mínimo de contribuição continuaria em 30 anos (mulheres) e 35 anos (homens)”, afirma Khatib.
3) Tempo de contribuição e pedágio: método de cálculo específico para quem está a dois anos de pedir o benefício. “Permite a aposentadoria com 30 anos de contribuição (mulheres) ou 35 anos (homens), desde que se pague um pedágio de 50% sobre o tempo que falta para se aposentar”, explica Khatib.
Para os servidores públicos, existe uma regra única: o sistema de pontos, que soma o tempo de contribuição e idade mínima, conforme explicado no primeiro tópico. Além dos fatores que valem para todos – como a idade mínima e tempo mínimo de contribuição –, servidores também deverão ter 20 anos de tempo mínimo no serviço público e 5 anos no cargo.
Quais são os próximos passos da reforma da Previdência?
Apesar da ambição de que a reforma da Previdência seja aprovada ainda em 2019, ela ainda precisará passar por longo percurso. O primeiro deles é a análise pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) e Comissão Especial – a proposta já se encontra nessa fase desde o dia 20 de fevereiro, quando a proposta foi entregue.
Passada essa fase, a PEC irá a plenário e precisará do apoio mínimo de três quintos dos deputados (308 dos 513) para ser aprovada e enviada ao Senado.
Uma vez no Senado, também precisará passar pela CCJ da casa antes de ir a plenário – onde será discutida e, para ser aprovada, precisará do voto positivo de 49 dos 81 deputados. Se o texto for aprovado, porém com mudanças, deverá voltar à Câmara.
Do lado do cidadão, cabe analisar qual é o seu caso. “Deve-se verificar quanto tempo falta e qual é a expectativa de benefício que irá receber, para depois tomar alguma medida – seja interromper a contribuição, se possível, fazer uma previdência complementar ou manter o sistema atual”, orienta Domeneghetti.
Para Khatib, a previdência complementar é especialmente aconselhável em alguns casos:
- Quando você tem acesso a um plano de previdência empresarial, como um fundo de pensão, oferecido pelo seu empregador, de baixo custo e boa rentabilidade;
- quando você trabalha com carteira assinada, ganha acima do teto do INSS e trabalha na iniciativa privada; ou é funcionário público, mas não tem perspectiva de receber aposentadoria integral. “Nesses casos, a previdência privada serve como complemento à previdência pública”;
- quando você é autônomo ou profissional liberal e não contribui para o INSS.
- quando você deseja investir para objetivos de longo prazo, isto é, que só devem ser alcançados dentro de oito ou dez anos, como a aposentadoria ou a formação de reservas para filhos, netos ou sobrinhos pequenos. “A previdência privada conta com incentivos tributários que a tornam atrativa para o longo prazo”;
- quando você deseja receber uma renda para complementar sua aposentadoria, mas ao mesmo tempo deseja transmitir parte do seu patrimônio para seus futuros herdeiros sem necessidade de inventário, após sua morte;
- quando você quer que seus futuros herdeiros recebam uma renda mensal após a sua morte
- quando você não tem tempo ou não se sente seguro para investir para a aposentadoria por conta própria, preferindo uma gestão profissional para a sua carteira.