A economia mundial tem sofrido choques expressivos desde o início de 2020. A pandemia gerou uma forte recessão mundial e, logo em seguida, os enormes estímulos dos governos sustentaram uma rápida recuperação do consumo das famílias e aceleração no aumento dos preços. Agora, o conflito na Ucrânia deve alimentar o processo inflacionário já em curso e prejudicará a atividade global. Esse novo ambiente possui implicações para nosso país.
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A economia brasileira cresceu 4,6% em 2021, após a queda de 3,9% em 2020. O nível da atividade encerrou o ano passado apenas 0,5% acima do patamar anterior da pandemia. O nosso ritmo de crescimento potencial, aquele que podemos obter considerando nossa capacidade de produção, não é alto, mas podemos estimar em torno de 1,0% ao ano. Assim, deixamos de crescer cerca de 1,5% acumulado nos dois últimos anos.
O consumo das famílias ainda está 1,3% abaixo do período anterior da pandemia, outro sinal de que a condição de vida dos brasileiros não melhorou nos últimos dois anos. Indicadores de confiança do consumidor permanecem em patamar deprimido e, mesmo antes do conflito no leste europeu, as perspectivas não eram positivas diante do forte aumento da taxa básica de juros (Selic) em ambiente de elevado endividamento familiar e alto comprometimento de renda com serviço de dívida.
Figura 1: Confiança do consumidor.
Fonte: FGV. Elaboração própria.
A guerra no leste europeu já aumentou substancialmente o preço das commodities, especialmente petróleo e trigo. O petróleo atingiu cerca de USD 115 nos últimos dias (ante USD 75 no fim do ano passado) e o preço do trigo no mercado internacional subiu em torno de 70% nas últimas duas semanas. Outras commodities também apresentaram elevação de preços relevante, o que contribuirá para um forte aumento da inflação nos próximos meses.
Figura 2: Preço das commodities no mercado internacional (índice em USD).
Fonte: CRB/Reuters. Elaboração própria.
Se o preço das commodities no mercado internacional não arrefecer ao longo dos próximos trimestres, então a inflação caminharia para acima de 6,0% neste ano. Por outro lado, uma eventual persistência da recente valorização da nossa taxa de câmbio (entre 5,00 e 5,10 reais por dólar) e a fraqueza da demanda interna ajudariam a amenizar esse processo inflacionário, e poderia deixar o IPCA mais próximo de 5,5%. De qualquer forma, a inflação deverá ficar acima do teto da meta de 5,0% estipulada para 2022.
O impacto direto desse aumento de preços será a redução do poder de compra das famílias. Além disso, os riscos de disseminação poderão levar o banco central a avançar no ciclo de aumento da taxa Selic, o que prejudicaria, ainda mais, a fraca demanda doméstica.
Dessa forma, o novo ambiente mundial pode aprofundar nossas dificuldades de crescimento econômico nos próximos trimestres. Este é um momento de extrema incerteza e, como disse o presidente do FED (banco central americano), a economia pode evoluir de “formas inesperadas”.