A Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou, um guia voltado para profissionais da saúde com diretrizes para reduzir os números de cesarianas realizadas desnecessariamente. Isso porque, segundo dados da própria entidade, 18,6% de todos os nascimentos nos 150 países pesquisados ocorrem por meio desse tipo de parto, variando de 1,4% a 56,4%. Pensando mais especificamente em algumas regiões do planeta, América Latina e Caribe lideram com as taxas mais altas de cesariana, com 40,5%, Em seguida, estão a América do Norte (32,3%), a Oceania (31,1%), a Europa (25%), a Ásia (19,2%) e a África (7,3%).
Os dados assustam ainda mais porque, analisando o período de 1990 a 2014, a média global da taxa de cesáreas quase triplicou, passando de 6,7% para 19,1%. Nesse mesmo espaço de tempo, América Latina e Caribe também lideram com taxas passando de 22,8% para 42,2%. Depois, estão Ásia, que passou de 4,4% para 19,5%; Oceania, de 18,5% para 32,6%; Europa, de 11,2% para 25%; América do Norte, de 22,3% para 32,3%; e África, de 2,9% para 7,4%.
A preocupação do crescimento expressivo da quantidade de cesarianas gira em torno dos riscos trazidos por esse tipo de parto, tanto para as mães quanto para os bebês, quando realizado de maneira desnecessária. Infecção; aumento da possibilidade de hemorragia; acidentes anestésicos; risco de aderência da placenta ao útero, de endometriose e de prematuridade do bebê; e problemas no sistema imunológico do bebê são apenas alguns dos exemplos das complicações físicas de um procedimento dispensável. Além disso, vale ressaltar também os riscos trazidos para a relação da mãe com o bebê, que incluem a dificuldade de criação do vínculo inicial, de amamentação e do contato pele a pele.
Assim, a fim de identificar modelos inovadores e viáveis de atenção ao parto e nascimento, que valorizem o parto normal e reduzam a quantidade de cesáreas sem indicação clínica na saúde suplementar, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) e o Institute for Healthcare Improvement (IHI), com o apoio do Ministério da Saúde, desenvolveram em 2015 o Programa Parto Adequado (PPA).
“Na Fase 1, o projeto contou com a adesão de 35 hospitais e 19 operadoras de planos de saúde, que, ao longo de 18 meses, começaram a transformar a realidade: os hospitais participantes protagonizaram a criação de um novo modelo de assistência materno-infantil para o Brasil e evitaram a realização de 10 mil cesarianas desnecessárias. O projeto atualmente está na Fase 2, contando com a participação de 137 hospitais e 62 operadoras, que aderiram de modo voluntário”, explica o diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, Rodrigo Aguiar.
Envolvida no PPA desde a primeira fase, a Unimed conta com mais de 30 Singulares participantes no projeto, tanto com unidades próprias quanto com parcerias. Este é o caso do Hospital São Lucas, de Santos, que têm atuado com o Programa desde 2015; e do Hospital Santa Isabel, de Blumenau, que implementou o projeto em 2017.
Além de atuar na estruturação das diretrizes, por meio de encontros e reuniões, a Unimed também auxilia na adequação das equipes multiprofissionais nas instituições; na capacitação dos colaboradores para ampliar a segurança na realização do parto; no engajamento do corpo clínico e assistencial e das próprias gestantes; e na revisão das práticas de atendimento às mães e aos bebês. Leticia Cherobini Lamberti, coordenadora de Enfermagem do Serviço Materno-infantil do Hospital Santa Isabel, comenta que as opções oferecidas às gestantes são de grande importância para a redução do número de cesarianas dispensáveis na instituição.
Na instituição catarinense, a porcentagem de cesáreas, dentre todas as gestantes, caiu de 80,5%, em 2016, para 75,9%, em 2017. Em relação àquelas classificadas em Robson I-IV (ferramenta indicada pela OMS que caracteriza as mulheres em dez grupos baseados em suas características obstétricas), a taxa diminuiu de 72,7%, em 2016, para 68,9% em 2017. Já no Hospital São Lucas, segundo Rafaela Brambilla, coordenadora de Enfermagem da Maternidade e do Centro Obstétrico da instituição, “a taxa de cesarianas era de 82% e, hoje, já alcançamos uma média de 38% a 40% de partos normais. Como consequência, tivemos redução de internação neonatal, por exemplo”.
Como garantir um parto adequado
Um parto adequado é aquele em que as decisões da mulher são priorizadas. Em outras palavras, significa naturalizar o processo do parto, realizar o mínimo de intervenções médicas (na medida do possível) e apenas intervir quando houver autorização da gestante. Nesse sentido, para garantir que o parto preserve a integridade física e emocional da mãe e do bebê, segundo as Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, publicadas em 2017 pelo Ministério da Saúde, alguns passos são essenciais. Dentre eles, temos como exemplo:
- Durante o pré-natal, deve-se informar às gestantes sobre riscos e benefícios das diversas práticas e intervenções durante o trabalho de parto e parto; a necessidade de escolha de um acompanhante para apoio; estratégias de controle da dor, métodos disponíveis na unidade e seus riscos e benefícios;
- Durante o parto, permitir à mulher a posição que ela preferir, visando seu conforto;
- Contar com a presença de doulas e de acompanhante. Durante o trabalho de parto e o parto, as futuras mães devem ter apoio contínuo e individualizado, de preferência de pessoas próximas. Apesar disso, o apoio de pessoas que não são da equipe hospitalar não dispensa o oferecido pelos profissionais. Uma mulher em trabalho de parto também não deve ser deixada sozinha, a não ser que ela solicite ou por curtos períodos de tempo;
- Mulheres em trabalho de parto podem ingerir líquidos, de preferência soluções isotônicas em vez de somente água. Aquelas que não estiverem sob efeito de opioides ou não apresentarem fatores de risco iminente para anestesia geral podem ter uma dieta leve;
- Métodos não farmacológicos de alívio da dor, como massagens, banhos quentes e imersão na água, devem ser oferecidos à mulher antes dos farmacológicos;
- A mulher tem o direito à anestesia e à reaplicação dela;
- É importante permitir o contato pele a pele da criança com a mãe imediatamente após o parto;
- Logo após o parto, a mulher deve ser estimulada a amamentar.
O diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS finaliza dizendo que “a reversão do panorama com excesso de cesarianas desnecessárias é um grande desafio e requer mudança estrutural e cultural, envolvendo a população e os atores do setor de saúde. O Projeto Parto Adequado tem mostrado que essa mudança é possível, sendo essencial a mobilização e o engajamento de todos os envolvidos, bem como uma base científica e metodológica consistente com a melhoria da qualidade da atenção ao parto e nascimento e que ofereça às grávidas uma experiência positiva no parto”.