O chamado “movimento antivacina”, na verdade, não é um único movimento. Ao longo da história, grupos de naturistas e de alguns ramos da medicina chamada alternativa questionaram de formas variadas as vacinas e muitas vezes defenderam a “imunidade natural”. Mas este disperso “movimento” ganhou um outro contorno a partir da publicação de um artigo científico de autoria de Andrew Wakefield na prestigiada revista científica Lancet em fevereiro de 1998. O então médico, a partir de uma série de doze casos, associava o desenvolvimento de autismo com “desencadeadores” ambientais, dentre eles a vacina chamada tríplice viral (Sarampo, Caxumba e Rubéola, ou MMR, da sigla em inglês).
Uma investigação do jornal Sunday Times apontou, em 2004, que algumas dessas crianças haviam sido recrutadas por advogados que preparavam uma ação judicial em conjunto com famílias de crianças autistas contra fabricantes da vacina. E mais tarde soube-se que estes mesmos advogados financiaram o médico que conduziu a pesquisa, sendo que este conflito de interesse não havia sido declarado. Em consequência, o Lancet fez ainda em 2004 uma “retratação parcial” e, em 2010, uma “retratação completa” do artigo. Ainda em 2010, o médico teve o diploma cassado e foi proibido de praticar medicina no Reino Unido, mas o estrago já havia sido causado.
Desde então, muitos estudos têm sido publicados negando a associação dessa vacina a autismo ou síndromes, como do intestino irritável1, 2. O último foi publicado dia 5 de março de 2019. Trata-se de um estudo de coorte, ou seja, do acompanhamento de um grupo de pessoas, com mais de 600 mil crianças dinamarquesas nascidas entre 1999 e 2010, que foram acompanhadas neste estudo a partir de 1 ano. A pesquisa concluiu que “a vacina MMR não aumenta o risco de autismo, não desencadeia autismo em crianças suscetíveis e não está associada ao aumento de casos de autismo após a vacinação”3.
Movimen
Vacinas como sarampo têm um tipo de proteção chamada de “rebanho”, ou seja, o vírus não consegue circular em populações onde a quase totalidade das pessoas são vacinadas. Outras vacinas, como da gripe e do HPV, a princípio não apresentam tal característica, sendo que a proteção é mais individual. Há um grande investimento em pesquisas com vacinas que também é fonte de controvérsias e notícias falsas. Muitas vezes em pesquisa científica, uma suspeita demora para ser confirmada. Porém, fraude precisa ser tratada com veemência, como foi o caso. Mesmo nos casos em que há a confirmação de fraude, a notícia falsa se mantém viva. Hoje, pode-se afirmar que não há indícios de que a vacina tríplice viral cause autismo como muitas vezes foi divulgado ao longo dos últimos 20 anos, e esta informação deveria parar de circular definitivamente.
Referências:
- Madsen, K.M.; Hviid, A.; Vestergaard, M.; Schendel, D.; Wohlfahrt, J.; Thorsen, P.; Olsen, J.; Melbye, M. A population-based study of measles, mumps, and rubella vaccination and autism. The New England Journal of Medicine. 2002, 7;347(19):1477-82.
- Demicheli, V.; Rivetti, A.; Debalini, MG.; Di Pietrantonj, C. Vaccines for measles, mumps and rubella in children. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2012, Issue 2. Art. No.: CD004407. DOI: 10.1002/14651858.CD004407.pub3.
- Hviid, A.; Hansen, J.V.; Frisch, M.; Melbye, M. Measles, Mumps, Rubella Vaccination and Autism: A Nationwide Cohort Study. Annals of Internal Medicine. doi: 10.7326/M18-2101