Apenas por falta de prevenção, o Brasil tem hoje cerca de 30 mil crianças cegas e outras 140 mil portadoras de baixa visão, aproximadamente. O país entra na estatística da Organização Mundial de Saúde (OMS), segundo a qual, 90% das crianças com deficiência visual no mundo vivem em nações em desenvolvimento ou muito pobres. A falta de tratamento explica os números. Eles poderiam ser reduzidos com simples cuidados que vão do pré-natal ao diagnóstico precoce de problemas oftalmológicos após o nascimento.
O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) considera que atualmente 70% das causas de cegueira e grave comprometimento visual infantil são passíveis de prevenção ou tratamento. De acordo com a diretora do CBO, que recentemente lançou o livro “Prevenção da Cegueira e Deficiência Visual na Infância”, Keila Monteiro, a reversão de doenças visuais em crianças exige cuidado multidisciplinar. Devem estar envolvidos nesse processo, os profissionais que acompanham a mulher desde o pré-natal até aqueles que acompanham os primeiros anos de vida do bebê. “Estamos falando do médico pediatra neonatologista no berçário, pediatras, além de profissionais de enfermagem, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e outros que colaboram no diagnóstico e tratamento das doenças dos recém-nascidos”, disse.
Em nível mundial, a cada ano aproximadamente 500 mil crianças ficam cegas, segundo a OMS. Ainda de acordo com a Organização, cerca de 80% das causas de cegueira infantil são preveníveis ou tratáveis. A diretora do CBO acrescenta que do total de gastos com cegueira no mundo, 30% são direcionados aos cuidados com crianças.
Ela lembra que a perda de integridade do sistema visual nos primeiros anos de vida causa grave impacto. “Há os problemas de autoestima, dificuldades de aprendizado e baixo desempenho escolar. Além disso, essas crianças necessitam de educação especial e de material adaptado”, acrescenta.
Causas
Keila reitera a importância da prevenção e explica que é possível evitar já no pré-natal as chamadas doenças congênitas infecciosas, como toxoplasmose, herpes, citomegalovírus, sífilis e, mais recentemente, o zika vírus, apontado como uma nova causa da cegueira infantil. Testes feitos em bebês em que as mães contraíram a doença durante a gravidez, apontam alterações no nervo óptico, mesmo em caso de crianças sem microcefalia.
A toxoplasmose ocular congênita é uma das doenças mais comuns. Estima-se que 33% da população esteja infectada, embora seja assintomática na maior parte das vezes. Causada por um protozoário, quando diagnosticada ainda na gravidez, pode ser tratada por meio de redução do risco de parasitemia (número de parasitas presentes na corrente sanguínea). Já os recém-nascidos cuja infecção for confirmada, devem receber tratamento antiparasitário no primeiro ano de vida, independentemente da existência dos sintomas.
Teste do Olhinho
Já as razões que levam a alterações da transparência dos meios oculares podem ser detectadas com o teste de reflexo vermelho, popularmente conhecido como teste do olhinho. O exame é capaz de diagnosticar doenças como catarata (alteração da transparência do cristalino), glaucoma (alteração da transparência da córnea), toxoplasmose (alteração da transparência do vítreo pela inflamação) e retinoblastoma (alteração da transparência do vítreo pelo tumor intraocular).
Obrigatório por lei, há mais de dez anos e em 17 Estados o exame é simples e feito por pediatras. Em caso de 3 alterações, o paciente deve ser encaminhado para um oftalmologista. Todas as crianças devem ser submetidas ao teste antes da alta da maternidade e devem repeti-lo ao menos uma vez por ano do terceiro ao quinto ano de vida. A diretora do Conselho Brasileiro de Oftalmologia acrescenta que no caso dos bebês prematuros, há a necessidade de realização do teste com oftalmoscópio indireto e dilatação pupilar quando o bebê tiver quatro semanas de vida. “O exame deve ser repetido a cada quatro semanas, até a criança ter completado 33 semanas de vida”, afirma Keila.
Por fim, a catarata congênita não infecciosa é outra doença que atinge as crianças brasileiras. Nesse caso, a prevenção ocorre por meio de aconselhamento dos pais antes do nascimento dos filhos, devido à ligação com fatores genéticos.
Dificuldades
Embora com todos os avanços tecnológicos e o conhecimento dos meios de prevenir e tratar a maior parte das doenças que levam à cegueira infantil, a incidência no Brasil ainda é grande, assim como em outros países em desenvolvimento, conforme a OMS.
No caso do Brasil, há a dificuldade do encaminhamento para especialistas e continuidade do tratamento. O teste do olhinho, por exemplo, capaz de detectar problemas de visão, é feito por um pediatra. Porém, o tratamento, quando necessário, deve ser realizado por um oftalmologista. Exatamente por isso, a importância do encaminhamento ser feito corretamente.
Já quando falamos sobre prevenção, ela não é garantida para todos. O mesmo teste do olhinho só é obrigatório em 16 Estados brasileiros e no Distrito Federal, o que reduz a possibilidade de prevenção precoce de diversas doenças.
Atenção em casa
Os oftalmologistas alertam sobre a importância de os pais observarem em casa os sinais das crianças que podem indicar problemas de visão. É preciso estar atentos à falta de reação a estímulos luminosos e interesse a pessoas e objetos.
Os pais também devem prestar atenção no aspecto dos olhos da criança. Olhinhos desviados, manchas brancas na pupila, excesso de secreção, pupilas muito dilatadas, entre outros, são evidências de possíveis doenças.
Principais causas de cegueira e baixa visão de crianças no Brasil:
– Retinopatia da prematuridade (alteração no crescimento da retina) – Catarata (alteração da transparência do cristalino) – Toxoplasmose (alteração da transparência do vítreo pela inflamação) – Glaucoma congênito (alteração da transparência da córnea) – Atrofia ótica (perda das fibras do nervo ótico)