Por estes dias surgiu a notícia de uma nova variante do Sars-CoV 2. Sorocabana. Ainda não se sabe se ela é campeã como as manauaras, londrinenses e as sul africanas. Mas está causando preocupações neste momento em que a pandemia galopa, batendo recorde em cima do número de mortos. Já são mais de 350 variantes registradas. Se está falando de um evento probabilístico – quanto mais copias forem feitas, mais variantes poderão surgir. Essa é a razão de o mundo estar muito preocupado com o Brasil neste momento. Surgirá uma variante resistente às vacinas que estão sendo aplicadas?
Mas e as vacinas onde estão? Como o país demorou para comprar vacinas, elas foram vendidas e somente se conta com as negociadas pelo Butantã e pela Fiocruz – pequeno volume de vacinas prontas, envasadas aqui e produzidas localmente através de um mecanismo conhecido como encomenda tecnológica e que permite a transferência da tecnologia. As duas instituições compraram nessa modalidade cerca de 350 milhões de doses. As vacinas necessitam de duas doses para garantir a imunização e, portanto, são quase suficientes para imunizar os 165 milhões de brasileiros com mais de 18 anos que são o alvo desta fase (menores deverão realizar testes para verificar a segurança e eficácia e deverão ser vacinados no ano que vem). Como foram compradas mais 40 milhões de doses do Covax Facilities da OMS, fecha a conta. No apagar da gestão da anomalia que o general Pazuello representou como ministro na saúde, afirma que foram negociadas 100 milhões de doses da vacina da Pfizer e 38 milhões de doses da vacina da Janssen (a única de dose única de todas que até agora foram aprovadas) O problema é que se tudo correr bem, essa quantidade de vacinas vai ser entregue a conta gotas e somente terminará em janeiro de 2022 e se um monte de “ses” der certo.
E aí começa a criatividade brasileira. Empresários endinheirados querem comprar vacinas por conta própria para se vacinar. Querem ser vacinados antes, afinal tem dinheiro e não devem sofrer as agruras de um desgoverno como o que se vive aqui. Mas além de imoral e antiético, não existem vacinas à venda. Todas as de grandes fabricantes foram vendidas para os madrugadores e o que tem agora é a russa Sputnik V que poderá existir se aprovada pela Anvisa (falta entregar documentos que quatro outros produtores de vacina aceitaram entregar e ganharam o registro) e conseguir acertar a fábrica de Brasília da União Química para produzir o Insumo Farmacêutico Ativo – IFA. Pode dar certo, mas ainda faltam mais seis meses. A vacina indiana da Bharat Biontech morreu na praia. Está sendo aplicada na Índia e em outros países da região, mas não terminou a fase 3, e não conseguiu apresentar os documentos na Anvisa e sua fabricação foi reprovada na certificação de boas práticas de fabricação e por causas básicas, como a esterilização. Os grandes fornecedores de vacina não vão correr o risco de serem enxovalhados por venderem vacina para rico e passar na frente da fila. Eles já têm muitos problemas lucrando com venda de remédios. Nem nos USA está vendendo vacina para as pessoas mais ricas. Bem, restou a possibilidade de comprar a vacina vendida em BH, essa ainda está disponível.
Mas fora estas possibilidades, na semana do dia 25 de março, a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP e o Butantã anunciaram boas notícias – pediram registro para serem autorizados a realizarem estudos clínicos de vacinas por eles desenvolvidas! Terminaram os estudos pré-clínicos e querem iniciar os estudos em humanos.
A FMRP, através do professor Celio Lopes Silva, a startup Farmacore e a empresa americana PDS Biotechnology desenvolveram uma promissora vacina (Versamune) que utiliza uma plataforma interessante baseada em uma nanopartícula desenvolvida pela empresa americana, que carreia uma partícula viral do antígeno S do vírus. Foi um projeto desenvolvido pelas três organizações com financiamento dos três e do CNPQ. Nos testes pré-clínicos foi desenvolvida uma importante resposta imunológica celular e tecidual. Deve realizar assim que aprovado pela Anvisa e Conep, os estudos das fases 1/2 com 360 voluntários e a seguir, se aprovada, a fase 3, com 20 mil pessoas. Tudo deve demorar de 12 a 16 meses. Se tudo der certo, na fase 1/2 deverão começar a pesquisar uma indústria para caminhar junto na fase fabril que deve começar a ser trilhada.
O Butantã anunciou no dia 26, um dia depois da entrega do pedido da USP, que estava pedindo autorização para realizar a fase clinica de um desenvolvimento que dizia ser exclusivamente seu, mas que conta com um vetor viral desenvolvido por empresa americana – a Icahn School of Medicine em Mount Sinai, Nova York. A vacina batizada de Butanvac utiliza um vírus carreador inativado, que é o da doença de Newcastle NDV, causador de uma pneumonia exclusivamente aviaria, que carrega a proteína Spike. Também muito promissora na fase pré-clínica, realiza as fases 1/2 com 900 pessoas e a fase 3 com 9000. Tudo deve demorar no mínimo entre 8 e 10 meses, embora seus diretores tenham se comprometido com um prazo inexequível em minha opinião. Os testes deverão também ser amplificados na Tailândia e no Vietnã. O financiador desses estudos no Brasil será o estado de SP. Se tudo der certo, a boa notícia é que como ela utiliza a mesma plataforma viral da vacina da gripe, poderá ser fabricada em uma instalação que já está pronta. Se os testes iniciais forem promissores poderá ser iniciada a produção de imediato e pode ser que se tenha a nova vacina ainda no final deste ano. Muito otimistamente falando.
Bom, se tivermos vacina, vacinaremos? Essa questão vem sendo bastante discutida. Com as poucas vacinas distribuídas até o final de março, cerca de 33 milhões de doses, somente 21 milhões foram aplicadas, porque? Bem, basicamente pela ausência de governo. Estamos vivendo uma balbúrdia. O país dispõe de 38.000 salas de vacinação equipadas e com pessoal alocado. Se cada sala fizer 6 vacinas por hora (é possível fazer o dobro) por 8 horas de trabalho, em 20 dias uteis poderão ser vacinados 36.480.000 brasileiros/mês. Podendo dobrar. Com um pouco de governo nesta área se poderá fazer frente ao desafio, apesar de que em abril começa a campanha de vacinação da gripe com suas 80 milhões de doses destinadas a todos os profissionais da saúde (já vacinados), idosos (bem avançados em sua cobertura) e crianças (que não tomarão a vacina da Covid). Tem potencial para causar confusão, mas deverá ser absorvida.
E a pergunta que não calar – quando se atinge a imunidade de rebanho?
Nesse ritmo, ou seja, com essas doses da Sinovac/Butantã e da Astra Zeneca/Fiocruz, mais Covax Facilities e uma parte que seja, das encomendas realizadas junto a Pfizer e Janssem, pode ser que a partir de setembro já poderão ser observados fenômenos de redução de casos como ocorridos em Israel e na Escócia. Mas a campanha de vacinação terminará entre dezembro e janeiro. Lembrando que deverá começar a vacinação de crianças e jovens. Se não aparecerem variante resistentes.
Essa questão das vacinas está sendo importante para que se aprenda a importância da gestão, do governo e o papel do líder. Cada um de nós viveu desde seu ponto de observação até a importância da governabilidade de problemas complexos. E as consequências de ignorá-los. Neste caso foram irrecuperáveis mortes. Não se pode esquecer isso!